“Da nossa casa até a casa da avó são 2 quadras. Para mim: calçada, ferragem, mercadinho, chegou.

Para Valentim: pedrinhas, árvores (às vezes com flores, por vezes perfumadas), pedras soltas que toda vez tira e coloca a buscar encaixe, duas ruas atravessadas para dar a mão para mãe. Cachorros constantemente para acariciar, rir, achar graça da língua a lhe molhar, dos beijos caninos atrapalhados. Local de calçada solta – pisa-se lá sobe cá, se cá piso, afundo um pouco. Um portão onde viu uma vez alguém a gritar para dentro e quase todo dia passa a chamar, agarrado nas grades, em busca de resposta. Bem verdade que nunca respondem, mas todos os dias o pequeno tenta. Não havendo retorno olha para mim, ri e torna a correr.

Mas no percurso até a casa da avó há, também, o que me parece mais valoroso para Tintim: os 4 encontros. Estabelecidos por ele desde o início (que nem sei precisar quando foi) nestes eu só respeito e acompanho. Só olho e vibro.

O primeiro encontro é com o Seu João, morador de rua e flanelinha daqui da rua com quem o pequeno sempre conversa, oi meu amigo, blábláblás, o pequeno a soltar beijos infinitos e abanar, abanar, abanar… até não mais enxergar. Quando Seu João está dormindo Tintim passa sussurrando, falando baixinho em respeito ao sono.

O segundo encontro é com o Jorge, guardador de carros do restaurante da esquina, baiano como o pai. Fica do outro lado da rua e todos os dias atravessa para conversar com Tintim, que o aguarda também diariamente ao vê-lo do outro lado. Dia desses Jorge elogiou a sandália do pequeno e desde então a primeira atitude é abaixar-se a mostrar as sandálias – toca-as e olha para o amigo, que insiste: que bonitas, que bonitas!

O terceiro encontro é com o homem do mercadinho. Quando está com seu gato o encontro é ainda mais vibrante, mas quando não o simples ver o amigo e jogar-lhe beijos já é suficiente para seguir em frente. Ontem não estava, estando só sua esposa. Valentim entrou. Conferiu. Procurou. Parou na porta do mercadinho, quase inconformado, longo tempo a pensar. Vem, filho, depois a gente vê ele. Tá – respondeu-me e seguiu sua marcha para o próximo.

Atravessando a rua os 3 senhores do almoxarifado do hospital – que às vezes são 2, às vezes 4, às vezes 1. Tintim desvia a rota para vê-los: pegam ele no colo, conversam um pouco e pronto, está feito. Abana em despedida e corre em disparada para frente do portão do prédio da avó.

Todos os dias. Cada dia com um olhar atento sobre algo novo no trajeto, mas sempre com seus 4 encontros, a sentir falta quando algum não está.

Valentim tem me ensinado sobre os caminhos, caminhares e destinos. Que o chegar não é mais valioso que a andança. Que o encontro é precioso e necessário. E que o tempo – que agora é dilatado em apenas duas quadras de percurso – é senhor de delicadezas, desafios e novidades constantes e intermináveis.”






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