Nos anos 60, Walter Mischel criou um teste para descobrir se as crianças conseguiam se controlar alguns minutos diante de uma tentação.

Desde então, o teste criado por Mischel vem comprovando que o autocontrole pode determinar o futuro das pessoas. Agora ele lança um livro para responder se a força de vontade é inata ou pode ser aprendida.

Quanto um marshmallow pode dizer sobre a sua determinação?

Esse doce não tem muita relevância para um brasileiro nem faz salivar as crianças daqui. Mas é uma das guloseimas preferidas dos norte-americanos e serve, há mais de 50 anos, como unidade de medida de força de vontade e de autocontrole no mundo todo. O “Teste do Marshmallow”, como ficou conhecido, foi criado pelo psicólogo Walter Mischel, nos anos 1960, e é tema do seu mais recente livro.

Embora a capacidade de resistir à tentação seja um tema tão antigo quanto Adão e Eva, Mischel foi o primeiro a se dedicar a estudá-la e se tornou referência mundial em autocontrole. Na introdução de The Marshmallow Test: Mastering Self-Control (em tradução livre, “O Teste do Marshmallow: Domando o Autocontrole”), publicado em 2014 pela Little, Brown, ele a define como uma aptidão-chave por trás da inteligência emocional, essencial para construir uma vida satisfatória.

A curiosidade como pai de três filhas – entre 2 e 5 anos de idade, à época – se transformou numa experiência científica com meio século de história. Mischel e seus alunos da faculdade de psicologia da Universidade Stanford (EUA) deram às crianças da creche da instituição duas opções: comer naquele momento uma guloseima que tinham diante de si ou ganhar uma recompensa maior (dois doces) se esperassem sozinhas, diante da tentação, até que o pesquisador voltasse para a sala.

Dr. Walter Mischel

A espera podia levar até 20 minutos e a sala não tinha qualquer objeto de distração além da mesa, do prato e da cadeira onde estavam sentados. O que os pequenos, entre 4 e 5 anos de idade – colegas das filhas de Mischel –, fizeram enquanto esperavam para obter uma recompensa tardia maior acabou, inesperadamente, indicando muito sobre o futuro deles. Naquele momento, não se esperava descobrir tanto do comportamento humano. Mas uma parcela das 550 crianças que participaram do estudo, feito entre 1968 e 1974, foi acompanhada desde então pelos pesquisadores.

Além da continuidade do experimento, Mischel afirma que há duas­ razões principais para não ter escrito o livro antes. A primeira é o aumento no número de pesquisas ligadas a funções executivas do cérebro e, com isso, a grande quantidade de descobertas da neurociência na área. Também conhecida como “memória operacional”, essa é a capacidade do córtex pré-frontal de reter algo pelo tempo necessário para se executar uma tarefa na sequência. Segundo Mischel, este é um excelente momento da ciência para entender a fundo as relações entre mente, cérebro e comportamento. “É a hora de nos perguntarmos: como podemos dominar nossos impulsos e nos controlar para tornar nossa vida melhor?”, sugere.

Natureza versus formação

O segundo motivo teriam sido as interpretações equivocadas sobre o que o teste demonstra, ou não, e quais lições podemos tirar dele. Para começar, o Teste do Marshmallow não se baseou exatamente em marshmallows. As crianças podiam escolher o doce mais tentador – marshmallow, chocolate ou bala, por exemplo. O “apelido” relacionado ao doce preferido dos americanos surgiu mais recentemente, em 2006, quando David Brooks escreveu sobre o estudo na sua coluna para o The New York Times.

Mischel revela no livro que era contra testes psicológicos para prever comportamentos humanos determinantes ao longo da vida. Ele só decidiu mergulhar na questão dez anos depois, ao perceber que as notícias trazidas pelas suas filhas sobre os colegas pareciam complementar o estudo. O pai pediu que elas atribuíssem notas entre zero a dez sobre como os amigos se saíam na escola e na vida pessoal. Baseado na opinião delas, notou uma forte relação entre o desempenho social e escolar dos adolescentes e a atitude mostrada quando eram crianças diante da tentação.

Os pesquisadores fizeram, então, um questionário para os pais – que nunca souberam se seus filhos tinham devorado o primeiro marshmallow ou aguardado o segundo – darem notas aos garotos, em relação aos seus colegas. Os professores também responderam a um questionário sobre a vida acadêmica daqueles jovens. Os resultados surpreenderam. Em comparação com os mais impulsivos, os mais resistentes mostravam, dez anos depois, ter mais autocontrole em situações frustrantes; resistiam mais a tentações e tinham melhor concentração. Além disso, eram mais inteligentes e autoconfiantes e menos propensos a atitudes imaturas e a envolver-se com substâncias ilegais. Os minutos a mais que resistiram representaram ainda notas mais altas no SAT (a versão americana do Enem) – alcançando, no geral, diferenças de 210 pontos entre os dois grupos.

Quando chegaram à fase adulta (27-32 anos), foram avaliados novamente. Comprovou-se que as crianças que não cederam à tentação tinham melhor autoestima, eram mais eficazes para­ atingir metas de longo prazo e lidavam melhor com situações frustrantes e estressantes. Também tinham índice de massa corporal menor e eram mais resilientes. Quando os participantes atingiram a meia-idade, foram feitas novas checagens sobre seu estado de saúde, de trabalho, físico, financeiro e emocional e até ressonâncias magnéticas do cérebro. Os exames apontaram diferenças significativas entre um grupo e outro nas áreas ligadas à obesidade e aos vícios.

O Teste do Marshmallow provou que, desde pequena, a pessoa já dá sinais da sua capacidade de inibir atitudes mais impulsivas. Embora alguns já nasçam com maior tendência ao autocontrole que outros, a boa notícia que Mischel traz em seu livro é que praticamente qualquer um pode desenvolver essa habilidade. E ainda descreve como pode fazer isso.






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