| Foto: Hospital Albert Einstein
A morte invariavelmente nos atravessa, seja com sua urgência devastadora ou com sua sombra silenciosa. Nem sempre somos preparados para enfrentá-la como experiência psíquica, como turbulência interior e memória viva. É nesse espaço entre o corpo que para e a alma que continua, no vácuo do não-dito, que entra o cuidado autêntico: o cuidado que acolhe.
Ana Cláudia Quintana Arantes, médica geriatra formada pela USP (1993), especialista em Geriatria, Gerontologia, Cuidados Paliativos e intervenções em luto, construiu uma trajetória singular. Desde 2012, com seu livro Linhas Pares — resultado de um blog chamado “Prescrição de Poesia” — ela vem incorporando poesia como recurso clínico para quem está em fim de vida.
Ainda estudante na FMUSP, Ana Cláudia viveu o que seria seu ponto de virada: Seu Antônio, paciente com cirrose e câncer, estava em sofrimento tão intenso que sequer conseguia contar sua história. Ao perguntar ao professor se havia algo para aliviar aquela dor, ouviu: “Você sabe o que é um paciente terminal?” Ao afirmar que sim — mas insistir que ele sentia dor — ouviu que não havia como amenizá-la sem comprometer o fígado.
Essa experiência foi decisiva. Para ela, “cuidados paliativos não são abandono; pelo contrário, dobram a escala do paciente” — ou seja, expandem a presença e o cuidado até o fim.
Na prática, Ana Cláudia passou a recitar poemas junto dos pacientes, nos corredores graves, nos leitos mudos, na UTI — não como distração, mas como ponte: entre a dor e a expressão, entre o sofrimento e o sentido. Assim nasceu a ação poética conhecida como “Prescrição de Poesia”.
“Todos são portadores de felicidade. Uma pena notar que boa parte da humanidade ainda é assintomática” Ana Cláudia Quintana Arantes
Essa lacuna entre corpo e palavra é atravessada por versos que falam por quem não tem mais forças — e, por vezes, possibilitam que o paciente chore não pela dor, mas pelo alívio de não estar mais só.
Ana Cláudia alerta: o que chamam de “humanização hospitalar” tornou-se discurso de marketing, muitas vezes vazio. Já os cuidados paliativos exigem um compromisso ético profundo, onde a escuta, a emoção e a presença superam protocolos e telas de computador.
Essa escolha de vida culminou na fundação da Associação Casa do Cuidar (2007) e, posteriormente, da Casa Humana (2019), oferecendo formação e assistência integral para pacientes em fase avançada de doença.
No Brasil há cerca de 30 programas de cuidados paliativos — enquanto em países como os EUA são mais de 2.000. Essa urgência torna o trabalho de Ana Cláudia ainda mais necessário: levar cuidado até o fim da vida, reconhecer a subjetividade além dos aparelhos, ampliar a escuta da alma.
Se a arte se mostrou recurso de cura para pacientes com dor extrema, ela também pode cuidar de nossa vida cotidiana, de nossos silêncios e feridas. Eis 10 formas práticas e existenciais:
Escreva uma carta-exílio para sua dor — um texto para acolher o que dói como se fosse um amigo.
Mantenha um diário poético emocional — escreva seus sentimentos em versos ou metáforas.
Pinte ou rabisque o que não pode dizer — mesmo riscar fora de forma pode libertar o inconsciente.
Use a música para processar emoções — uma playlist para tristeza, outra para reconexão emocional.
Leia poemas em voz alta para si ou com alguém de confiança — versos são mantras afetivos.
Crie colagens com recortes visuais que falem da sua fase de vida — o conjunto se torna um “poema visual”.
Cante com intenção (mesmo desafinando) — a vibração sonora é suporte psicológico ancestral.
Reencene memórias com arte dramática — teatralizar histórias doloridas permite ressignificação.
Arte com elementos naturais — folhas, pedras, água e terra formam paisagens íntimas de cura.
Participe ou convide outro para roda de arte-terapia compartilhada — o outro poeta em nós desperta e multiplica sentidos.
Este texto mostra que prescrever poesia é mais que gesto gentil: é ética, escuta e escolha radical por uma medicina que sabe que o humano existe até o último suspiro. Volta-se a saúde emocional, à alma que resiste e às histórias que valem.
A palavra, quando usada com presença e afeto, cura. A poesia, quando acolhe, resgata a dignidade final. E como Ana Cláudia insiste: “a morte só é o fim para quem não viveu com profundidade”.
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