No Brasil o Big Brother é um popular reality show onde, durante cerca de três meses, um grupo de pessoas (geralmente menos de 20) ficam confinados sem contato com o mundo exterior. Dentro da casa, onde os participantes se localizam durante esse período de tempo, não se pode acessar internet, canais de televisão, nem estações de rádio, por exemplo.
Os participantes têm como objetivo permanecer na casa até o último dia, quando a audiência escolherá, por meio de voto (internet ou telefone), quem será o vencedor e ganhador do grande prêmio final. Apesar de o vencedor só ser escolhido no último dia do programa, as pessoas da casa são obrigadas a votar em um ou dois participantes para serem eliminados do programa; o que receber mais votos do público deixa o programa.
Funciona exatamente como uma novela, com garantias de grande audiência e conta com a performance de super vilões e mocinhos. O que nos remete a conceber que as novelas da ficção são bastante verossímeis, uma vez que o reality, revela ao mundo como são aquelas pessoas no seu dia-a-dia e como elas lidam uns com os outros, como administram os conflitos, como amam e, principalmente, do que são capazes para ganhar a competição.
A verdade sobre o Big Brother
Nas ruas, em casa, no trabalho, na escola, nos shoppings, em qualquer lugar que se vá, somos vigiados. Nada escapa aos olhos, digo, as lentes atentas das câmeras. Somos monitorados, invadidos, fiscalizados, escaneados e mais um pouco. Nada de privacidade, tudo se convergiu em púbico ou potencialmente em público. E não ousem pensar em nada diferente, pois a vigilância nos nossos tempos é, em grande parte, voluntária.
Apesar de ser um famoso reality show no Brasil e no mundo, o verdadeiro Big Brother tem sua origem na literatura. Ele é uma das premissas do livro 1984, do escritor britânico George Orwell. No romance, o personagem do Grande Irmão é o líder supremo do cenário (a fictícia Oceania) que controla toda a população. O artigo é de autoria do escritor Erick Morais. Confira:
O controle feito pelo Partido, “personificado” pelo Big Brother, no mundo distópico de Orwell, se dá pela vigilância constante, a qual controla tudo, inclusive, os pensamentos dos indivíduos. Desse modo, o indivíduo deve estar integralmente sob o controle do Big Brother, que tudo vê e ouve. Assim, qualquer desvio de conduta, ainda que seja em pensamento, é considerado crime, o qual se chama “crimideia”.
Não há, portanto, a possibilidade do indivíduo pensar por si mesmo, tampouco, questionar a realidade posta pelo Partido. Bem como, todo meio que propicie o autoconhecimento, como fazer algo sozinho, é visto como uma conduta imprópria e perigosa, a qual se chama “proprivida”. Ou seja, os indivíduos são despersonalizados e convertidos em autômatos controlados pelo Big Brother.
vigilância acontece em todas as esferas do convívio social, produzindo e impondo normas de comportamento
O mundo em 1984 não difere em nada do nosso. A vigilância que sofremos contemporaneamente é tão autoritária e controladora quanto a do livro. Assim como no livro, somos dominados pela ideologia dominante, o que significa dizer que a dominação não acontece pela força, mas sim, pelo convencimento. Isto é, a realidade é moldada segundo as vontades da classe dominante, que nos vendem como verdades as suas mentiras arquitetadas.
Essa falsa consciência da realidade, que aceitamos, no entanto, não é construída e controlada apenas pelo Estado. É o que bem atenta Foucault, uma vez que os mecanismos de poder, na sociedade capitalista, se subdividem em microrrelações, de modo que ultrapassam o Estado e atingem a vida cotidiana. Sendo assim, a vigilância acontece em todas as esferas do convívio social, produzindo e impondo normas de comportamento e adequação.
Pan-óptico: uma prisão ideal que permite a um único vigilante observar todos os prisioneiros, sem que estes possam saber se estão ou não sendo observados
Seguindo o modelo pan-óptico, há uma visibilidade total do indivíduo, fazendo com que a sua vida privada também se converta em pública, a fim de que seja controla nos mínimos detalhes. Esse aspecto torna-se possível pelos aparelhos tecnológicos e pela internet. Estes são como a ‘Teletela de Orwell’ e exercem a mesma função do Big Brother, qual seja, vigiar a vida das pessoas, assim como, punir os inadequados.
A vigilância total das sociedades atuais deveria causar desconforto e falta de liberdade. Entretanto, as pessoas parecem estar à vontade e totalmente dispostas a contribuir para o controle. Imersos no conteúdo midiático, seguem as ordens do Big Brother que lhes indica o que deve ou não ser feito, o que em uma sociedade consumista, pode ser resumido como o que deve ou não ser (existe essa possibilidade?) comprado. Após isso, correm para as redes sociais, para que possam postar suas selfies, demonstrando para o Big Brother que, como bons companheiros, seguiram à risca os seus comandos.
Somos servos voluntários deste mundo líquido, meros reprodutores do discurso do Big Brother
Essa vigilância voluntária é o que Bauman chama de “vigilância líquida”, já que consentimos em não somente fazer parte, como também, contribuir para o controle, desconsiderando todos os perigos de uma vida totalmente vigiada e controlada. Dentro de um modelo pan-óptico, isto é, de visibilidade total, a vigilância tornou-se liquefaz e, assim, é capaz de ocupar todos os espaços.
Com uma vida vigiada, nos tornamos autômatos, sem vida e subjetividade, como os sujeitos do mundo de Orwell. Embora nos achemos diferentes e autênticos, nos comportamos da mesma forma, como se tivéssemos saído das páginas de 1984, vestindo os macacões azuis dos membros do Partido. Somos meros reprodutores do discurso do Big Brother, sem poder crítico e com a gama de pensamento reduzida. Insistimos em manter as teletelas ligadas o tempo inteiro e não hesitamos em demonstrar a nossa obediência à sua magnificência.
Para Orwell estamos sob o controle do Big Brother; para Carl Marx, estamos sob o controle da ideologia; para Foucault, sob o domínio do pan-óptico, e para Zygmunt Bauman estamos sob os domínios da vigilância líquida. Estamos cercados de grades que nós mesmos ajudamos a construir, mas que fazemos de tudo para não enxergar. Somos controlados em cada suspiro do nosso pensamento. Para não sermos inadequados, abdicamos da intimidade para nos tornamos massa singular de lentes aprisionadoras e microfones que impossibilitam qualquer palavra autêntica, já que, quando passamos a postar fotos de comida no Instagram, fica difícil acreditar que os sonhos não estão sendo monitorados.
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