“Há sempre um vazio que a gente não consegue preencher” reflexão de Elza Soares

“Um dia descobri que cantava.

O meu filho mais velho João Carlos estava morrendo e eu já tinha perdido 2 filhos e não queria perder mais um.

Eu não tinha dinheiro pra cuidar do meu filho e ouvi no rádio que o programa do Ary Barroso de calouros Nota 5, estava com o prêmio acumulado. Não sei como, mas eu sabia que ia buscar esse prêmio!

Fiz a inscrição e me avisaram que eu precisava ir bonita. Mas eu não tinha roupa nem sapatos, não tinha nada! Então, eu peguei uma roupa da minha mãe, que pesava 60kg e vesti, só que eu pesava 32kg, já viu né? Ajustei com alfinetes. Tudo bem que agora é moda ne? Hoje até a Madonna usa, mas essa moda aí fui eu que comecei viu? Alfinetes na roupa é muito meu, é coisa de Elza!

No pé coloquei uma sandália que a gente chamava de ‘mamãe tô na merda’, e fui!

Quando me chamaram, levantei e entrei no palco do auditório. O auditório tava lotado, todo mundo começou a rir alto debochando de mim.

Seu Ary me chamou e perguntou:

_ O que você veio fazer aqui?
_ Eu vim Cantar!
_ Me diz uma coisa, de que planeta você veio?
_ Do mesmo planeta seu Seu Ary.
_ E qual é o meu planeta?
_ PLANETA FOME!

Ali, todo mundo que estava rindo viu que a coisa era séria e sentaram bem quietinhos.

Cantei a música Lama.

O Gongo não soou e eu ganhei, levei o prêmio e meu filho está vivo até hoje, graças a Deus!

De lá pra cá, sempre levo comigo um Alfinete.

Naquela época eu achava que se tivesse alimentos pros meus filhos, não teria mais fome. O tempo passou e eu continuei com fome, fome de cultura, de dignidade, de educação, de igualdade e muito mais, percebo que a fome só muda de cara, mas não tem fim.

Há sempre um vazio que a gente não consegue preencher e talvez seja essa mesma a razão da nossa existência”

Texto da nossa querida e saudosa Elza Soares, que nos deixou na tarde desta quinta-feira (20).

Elza Soares é considerada uma das maiores cantoras da música brasileira, com carreira no samba que começou nos anos 60. Elza Gomes da Conceição começou cantando sambalanço com “Se Acaso Você Chegasse” em 1959, e se dedicou ao gênero nos anos 60.

Nos 34 discos lançados, ela se aproximou do samba, do jazz, da música eletrônica, do hip hop, do funk em uma mistura proposital. Artista inesquecível, que cantará para sempre em nossos corações.

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As publicações do Portal Raízes são selecionadas com base no conhecimento empírico social e cientifico, e nos traços definidores da cultura e do comportamento psicossocial dos diferentes povos do mundo, especialmente os de língua portuguesa. Nossa missão é, acima de tudo, despertar o interesse e a reflexão sobre a fenomenologia social humana, bem como os seus conflitos interiores e exteriores. A marca Raízes Jornalismo Cultural foi fundada em maio de 2008 pelo jornalista Doracino Naves (17/01/1949 * 27/02/2017) e a romancista Clara Dawn.

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