Metáforas: O código secreto do pensamento universal

Qual é o traço comum a um nova-iorquino de Manhattan, um aborígine australiano, uma jovem palestina, um vaqueiro do Pantanal e uma criança senegalesa?

 Mia Couto: “No invisível pescoço do vento”.

Fernando Pessoa: “Escrevo versos num papel que está no meu pensamento”.

Manuel de Barros: “Sou beato de ouvir a prosa dos rios”.

Monja Coen: “O rosto de mãe enruga de tanto ela dar risada”.

Adélia Prado: “Mulher é desdobrável, eu sou”.

Rubem Alves: “É inútil viajar par outros lugares se não conseguimos desembarcar de nós mesmos”.

Ou as metáforas de Riobaldo, o guru de Guimarães Rosa: Uma: “Todo buriti é uma esperança”. Outra: Passarinho cai de voar, mas bate suas asinhas no chão”.  

Para o sociólogo norte-americano Gerald Zaltman, professor emérito da Harvard Business School, não apenas essas pessoas ou escritores, mas todas as outras – incluindo ele mesmo e você, leitor – têm um padrão de linguagem único, que independe de fatores como faixa etária, nacionalidade, situação socioeconômica, tipo de trabalho, religião ou condição cultural. A esse padrão ele deu o nome de metáforas profundas.

A descoberta surgiu a partir de 12 mil entrevistas que Zaltman e sua equipe da Olson Zaltman Associates fizeram em mais de 30 países. A partir desse material emergiram sete “lentes” principais pelas quais as pessoas olhavam o mundo. Essas lentes foram esmiuçadas no livro que Zaltman escreveu com seu filho, Lindsay, sobre a pesquisa e seus resultados, Marketing metaphoria: What deep metaphors reveal about the minds of consumers, lançado no ano passado.

Os Zaltmans definem metáforas profundas como padrões básicos que temos em relação ao que se encontra à nossa volta. O adjetivo “profunda” se justifica porque essas metáforas estão no inconsciente de toda a população. É impossível expressar-se sem usá-las, e ver o mundo por essas lentes (não apenas uma de cada vez, necessariamente) dá um colorido especial à nossa percepção e à maneira como detectamos e avaliamos as diferenças.

“Foi como a descoberta de um código secreto de pensamento”, diz Gerald Zaltman.

A base neurológica

A interação com os ambientes sociais, culturais e físicos pelos quais transitamos exercita em nós padrões de conexões neurais. Um determinado número deles é repetido a ponto de passar a integrar nossa “rede elétrica” diária, enquanto outros são descartados. Esses padrões de descargas neurais que permanecem estão ligados às crenças, atrações e rejeições que desenvolvemos. Todos nós recorremos às mesmas metáforas profundas quando nos defrontamos com situações similares ou solucionamos problemas.

As sete metáforas profundas principais:

Equilíbrio – Relaciona-se à busca interior de uma vida em harmonia; envolve justiça, interação de vários elementos. “Estou de volta aos trilhos”, “estou centrado”, “ele está estufado” ou “fulano saiu do eixo” exemplificam essa categoria.

Transformação – Abrange expressões referentes a alterações de estado, status, substância e circunstâncias. Exemplos: “ficar de cama com gripe”, “estar em recuperação”, “virar uma página na vida”.

Jornada – Inclui imagens que abordam a trajetória de crescimento pessoal, uma visão de passado, presente e futuro. “Passei uma vida nesse trabalho”, “foi uma maratona” e “ir direto ao assunto” são amostras disso.

Recipiente (contêiner) – Dá ideia de inclusão, exclusão, ficar (ou manter-se) dentro ou fora. As expressões podem ser positivas ou negativas. Exemplo dessa categoria “Deitado em berço esplêndido”, “Ficar embrulhado na própria versão dos fatos”.

Conexão – Engloba imagens associadas às relações consigo mesmo e com os outros, que envolvem sentimentos de integração ou exclusão. Exemplos: “Ele me deixou fora do circuito”, “Me amarro em música eletrônica”, “Meu tipo de pessoa,equipe,marca é…”

Recursos – Corresponde a fontes de apoio para sobreviver, desenvolver-se ou superar adversidades, como água, alimentos, oxigênio, pessoas, remédios, informações. Essa classificação inclui expressões como “Meu ganha-pão”, “Fulano é um manancial de conhecimentos”.

Controle – Liga-se a um senso de maestria, vulnerabilidade e bem-estar relativo a diversas situações. São exemplos expressões como “Caiu na minha rede”, “Sentiu-se impotente para lidar com a situação”, “Aquilo arruinou sua vida”.

É importante diferenciar as metáforas profundas do conceito de arquétipos do psicólogo suíço Carl Jung. Os arquétipos são qualidades básicas da mente, tipos de personalidade ou características que operam no inconsciente coletivo. Já as metáforas profundas correspondem a categorias básicas de padrões de pensamento e de tomada de decisão, nas quais as qualidades arquetípicas junguianas estão contidas como subtemas.

Zaltman aplicou suas descobertas inicialmente em vendas, como suporte a estratégias comerciais. Depois do sucesso em vendas, Zaltman percebeu que o uso das metáforas profundas poderia ajudar em outras áreas, como a resolução de conflitos e o autoconhecimento. Para isso, o professor faz uma observação prévia importante: antes de empregar metáforas profundas, a pessoa tem de saber em que acredita ou o que sente a respeito delas, a fim de certificar-se se ela as está interpretando de forma consciente ou inconsciente.

O trabalho teve êxito quando os não fumantes entenderam que abdicar de fumar envolve não apenas força de vontade (controle), mas também o abandono de rituais arraigados, para o que são importantes amigos compreensivos e até igrejas (recipientes, conexões). A partir daí, compreenderam que precisavam ser mais tolerantes com as pessoas próximas que tentavam desistir do cigarro. Por seu lado, os fumantes passaram a ver que os antitabagistas não estavam simplesmente tentando limitar sua liberdade (controle), mas preocupavam-se com sua saúde.

Em outro exemplo, um líder pacifista e um comandante militar discutiam o futuro de seu país e não demoraram a perceber que partilhavam crenças sobre duas metáforas profundas ligadas ao tema: jornada e equilíbrio. Ao se conscientizarem disso, eles entraram em acordo sobre certas diferenças de opinião.

“É o processo de criar uma visão comum de como a vida seria sem conflito que importa”, diz Gerald Zaltman. Há uma razão simples para isso: é durante o processo que as pessoas começam a ver quanto têm em comum e passam a tolerar mais as diferenças. “Não estamos buscando fazer com que as pessoas concordem sobre tudo. (…) O que você quer é compreender a posição do outro.” Quando há compreensão, as pessoas descobrem bases comuns para construir um caminho que resolva as diferenças.

Exercício com as metáforas

CONTEMPLAÇÃO

1) – Coloque-se numa condição confortável e contemple as sete metáforas profundas. Para cada metáfora profunda, liste todas as suas emoções e crenças associadas.

2) – Contemple essas emoções e crenças. Sem julgar, desfaça-se delas e anote especialmente todas as associações negativas.

3) Na próxima vez que você tiver uma reação automática a alguma coisa, respire fundo, desacelere seu pensamento e tente rastrear o que a deflagrou – uma imagem vislumbrada, sons, odores, etc. Identifique a metáfora profunda representada pelo “gatilho”.

4) Você consegue ver como sua reação poderia se dever a algo além da história a que de imediato atribuiu sua reação? Em caso afirmativo, sua reação negativa pode se dissolver repentinamente.

CONVERSAÇÃO

Numa discussão, fique atento à linguagem usada. Tente mudar o curso da disputa via linguagem, recorrendo a outra classe de metáforas profundas. Por exemplo, passar de uma metáfora profunda de conteúdo para uma de equilíbrio, como “vamos pesar os prós e contras”, ou de jornada, tipo “fiquei perdido; você pode me explicar seu argumento de novo para me ajudar a entendê-lo?”. Essa alteração em geral reduz o nível de conflito e leva os envolvidos a relaxar suas posições anteriores.






Jornalista, diretor e apresentador do Programa Raízes Jornalismo Cultural.