“Ser mãe não é fácil. É uma dádiva saber que somos capazes de gerar outra vida, outro ser e vivemos como a canção: A gente chora de rir e ri de chorar.
Filho é um presente. Uma criaturinha tão pequena, frágil, indefesa e apaixonante, mais, fala sério é muito difícil criá-los, exigem atenção integral e como a gente se esforçar para ser tudo que eles necessitam, passamos noites observando a respiração, só para confirmar que estão respirando, a gente chora com eles, acha tudo maravilhoso, qualquer movimento que pareça um sorriso e lá estamos nós fotografando ou filmando tudo. O primeiro banho em casa é o melhor, o pavor é tão grande, que muitos congelam, são tantos “se”.
Meus filhos são excelentes pais e são bons filhos, mas não estou preparada para ser a filha de meus filhos, não mesmo!
Há 18 anos travo uma batalha injusta com minha saúde mental e isso é bastante desagradável. Não é fácil conviver com o monstro da síndrome do pânico e a cruel depressão recorrente grave. Nos últimos anos percebi que estou perdendo essa batalha. Uso prolongado de psicotrópicos, terapias, insônias, ansiedade, enfim, meu inimigo tomou conta da minha caixa de comando central e todo o resto de meu corpo entrou em decadência. Sou jovem e aparentemente saudável, porém, me tornei improdutiva, minha capacidade laboral e minha concentração estão reduzidas, sou uma prisioneira dentro de mim mesma. A única vontade que realmente me impulsiona é dormir. Triste.
Visando o meu bem, recebi uma dura recomendação médica, fui proibida de dirigir, de morar sozinha e até de manusear o fogão, tudo para garantir minha própria segurança. Não falei isso para meus filhos, pois não estou pronta e ainda não desisti de lutar. Em certos dias ( raros ultimamente), me sinto super disposta, então limpo a casa, arrumo tudo, exerço minha profissão, estudo, e até pinto o cabelo, saio de casa, consigo me controlar no transito e caminhar calmamente no meio da multidão e ninguém faz ideia do quanto isso é difícil e assustador, a fobia social e a ansiedade me deixam tão cansada que parece que corri uma maratona e sempre vem acompanhada com dores musculares fortes, exaustivas e irritativas. Me sinto sugada, vazia, esgotada e triste, nem me lembro da ultima noite que dormi sem ser a base de medicamentos, isso é apavorante e muito chato.
Faltando ao que interessa, ser filha de meus filhos é uma coisa boa, mas, ser mãe/filha, não dá, não estou preparada para isso.
Sou escorpiana, perfeccionista, detalhista, gosto de rotina, monotonia é meu adjetivo ideal, para mim tudo tem que ter seu devido lugar e se não estiver, viro uma onça, ou uma gralha que dispara a falar, reclamar da desordem, reorganizo tudo, porém, resmungando. Tenho uma ótima relação com meus filhos, noras e netos e amo minha família, não apenas suporto, eu os amo.
Sou totalmente aberta com meus filhos, eles sempre sabem onde estou, com quem estou, quanto tempo ficarei fora de casa, sempre aviso quando saio e quando retorno, e essa atitude é de minha iniciativa, pois eles não me cobram isso e por eu tratá-los assim, eles também sempre compartilham suas vidas comigo, até as tarefas escolares de meus netos. Não tenho o hábito de tomar nenhuma decisão seria sem participar a meus filhos a real situação, gosto que participem de minha vida, mas, não quero perder minha sanidade, minha autonomia e aceitar essa situação ou recomendação medica, seria concordar que não posso mais gerir minha própria vida.
Não sou aposentada, portanto, sem trabalho, sou uma despesa a mais e conhecendo a realidade de cada um deles, sei bem que não estão em condições de arcar com meus gastos e me sustentarem. Além do mais, eu tenho três filhos e teria que escolher ir morar apenas com um deles, pois formatá-los em só família hoje é impossível, então, como escolher?. Posso apenas mostrar o relatório e esperar ser escolhida ou não?
Ter que escolher um deles, para ser meu lar de referencia é muito difícil, eu diria, impossível. Meus filhos são honestos, amorosos, trabalhadores, super responsáveis, lindos por dentro e por fora, são excelentes pais, são confiáveis, companheiros e no ponto de vista, são ótimos maridos, eles cozinham, fazem cada prato delicioso, cada um melhor que o outro, cooperam com as esposas nas tarefas domesticas e no zelo com as crianças e quando os vejo, sinto que fiz um bom trabalho, eles não são perfeitos, possui falhas e traços de personalidades fortes e as vezes irredutíveis, mas, são meus garotos e nunca busquei torná-los perfeitos, os criei para o mundo e me orgulho de saber o quanto eles respeitam o próximo e a si mesmos. Isso me basta.
Mesmo morando em casas separadas, eles falam comigo todos os dias, sabem de tudo que faço, onde vou, com quem, que hora saio de casa e quando retorno, falamos sobre tudo e eu sei plenamente que eles não estão preparados para mim assumir e eu não estou pronta para ser tratada como filha deles, pois não programamos isso, sou cheia de mania, me irrito facilmente, fico chateada com quase tudo, sou tão complicada, que mesmo morando sozinha, muitos vezes me pego planejando fugir de mim mesma e não deixar bilhete.
Já fui muito serena, sensível, ingênua e chorei muito, para me proteger, fui obrigada a produzir espinhos, cravos pontiagudos para repelir pessoas e situações que me machucaram e estes espinhos me ferem todos os dias, quem os provocou sequer sabe que eles existem.
Na eminência de me tornar filha de meus filhos, eu grito, não estou pronta. Ainda existe dentro de mim um desejo grande de autonomia, de voltar a ser produtiva, de viver plena e quem sabe refazer minha vida amorosa. Ainda tenho minha sanidade. Quero o amor de meus filhos, seus cuidados e atenção, sei que não me deixaram faltar, mas, é muito bom ser mãe e avó, e mesmo contrariando todas as indicações vou prosseguir sendo a mãe que sou, aquela que luta e que dá exemplo de força e coragem”.