O ritmo atropelado do cotidiano nos leva a concentrar nossos esforços em sonhos artificiais e pré-moldados, e a adiar nosso protagonismo para um futuro indefinido. De fato, talvez seja mais cômodo estabelecer condições para a concretização de nossa felicidade, postergando o momento de sua realização, do que arregaçar as mangas e destrinchar o agora à sua procura.
Dissipamos nossa atenção com a avalanche cotidiana de informações, imagens e acontecimentos voláteis que não nos dizem respeito – mas que nos alcançam a todo momento pelas redes sociais -, e raramente paramos para agradecer pelas bênçãos já conquistadas, pelos desafios já enfrentados. Às vezes, sequer tomamos consciência das oportunidades que nos cercam, do ambiente em que estamos inseridos e das sensações que ele desperta.
Para acompanhar o passo da dança, eliminamos a reflexão, e deixamos o autoconhecimento para depois.
Em geral, vamos nos acostumando a respirar, caminhar e a nos relacionar em modo “piloto automático”. Sem perceber o que essas ações essenciais representam e como elas nos moldam como seres humanos, passamos a executá-las apenas instintivamente.
Realizamos uma transferência de foco. Substituímos o valor das pequenas alegrias, da simplicidade, pela possibilidade de momentos grandiosos, mais complexos, mas sempre fora de alcance, miragens no deserto do amanhã. Delegamos a plenitude ao acaso e esvaziamos nosso presente de seu potencial criativo.
Se viver é uma arte, então por que nos contentamos com um esboço de existência?
É comum ouvirmos e pronunciarmos, por exemplo, frases como “Se eu tivesse mais tempo… mais dinheiro…”, “Quando eu puder trocar de carro…”, “Quando conseguir o emprego dos sonhos…”.
Tais expressões não mostram apenas uma negligência crônica para com o presente. Elas ilustram a lógica perigosa que embala a vida em sociedade: a ideia de que a felicidade depende de condições alheias à nossa vontade, de que seremos felizes somente quando e se.
O quadro fica ainda mais grave quando percebemos que reproduzimos esse discurso sem nos darmos conta.
Mas como mudar essa dinâmica?
O desafio é achar uma maneira de extrapolar esse modus operandi automático e recobrar a consciência, a responsabilidade por nossas palavras e ações. Precisamos recalibrar nossa bússola interior e direcionar nossas iniciativas físicas e intelectuais para as questões que realmente pautam nossa breve jornada.
Quem sou eu em relação ao mundo que habito? Quais são as minhas reais demandas? Essas verdades são únicas e intransferíveis. A responsabilidade por elas é sua, e a busca de seu entendimento representa o protagonismo perante a vida.
A felicidade está em decifrar nossa essência, camada por camada. Ela está presente no aqui e no agora, a um gesto ou pensamento de distância. A felicidade independe das condições e obstáculos que impomos para sua concretização, exigindo apenas um impulso de vontade e um esforço de consciência.