Henry, nosso menino, você não pôde completar a dentição, não pôde esperar os dentes fixos chegarem, não pôde aprender a ler e a escrever para se defender e sinalizar o que estava sofrendo dentro de casa. Será sempre um dente de leite, frágil e indefeso, arrancado antes da hora de nossa humanidade.
Você não caiu da cama, não caiu da escrivaninha, não caiu da poltrona, caiu sim na família errada, num lar de ódio e abuso, nas mãos de adultos assassinos que deveriam ser seus protetores.
Nenhum acidente doméstico explica a sua série de contusões. Por todos os lados.
O sangue pediu para sair. Não aguentava mais os golpes, os cabelos arrancados, rastejar por socorro.
Você caiu no inferno, caiu na omissão materna que deixava um padrasto agredi-lo há mais de um mês, que concordava com a surra e com os castigos, com os socos e pontapés, com as privações e censuras.
Você caiu num plano de extermínio lento, no veneno do colo, no abraço de espinhos, no meio de um romance violento.
Você não podia nada. Não podia falar. Não podia ficar acordado. Não podia brincar com o seu ursinho. Não podia comer com barulho. Não podia existir. Não podia chorar. Não podia gritar. E agora não pode nem mais crescer, parado eternamente em seus 4 anos, com todos os aniversários acumulados num único dia.
Não teve tempo de explicar as suas lágrimas ao pai, que não morava com você, com medo de apanhar mais. Só não queria voltar para casa – o máximo que conseguiu dizer diante das ameaças que recebeu.
Você ainda deve estar procurando entender o que aconteceu. Não fez nada de errado. Apanhava de graça. Morreu de graça. Sem motivo. Sem justificativa. Sem piedade. Sem chance de ser salvo. Coberto de mentiras.
Não tenho como explicar. A crueldade é gratuita. Sua mãe foi fazer unhas e cabelo no salão um dia depois do seu enterro. Que luto é esse que lembra uma festa?
Você caiu no esgoto de ratos. Não era amor.
Texto de Fabrício Carpinejar
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