Psicologia e Comportamento

Acalme-se: é impossível ver o próprio reflexo em águas movimentadas

“É impossível ver o próprio reflexo em águas movimentadas, isso só é possível em águas paradas. (…) Comecei a pensar em quanto tempo da minha vida eu gasto me debatendo de um lado para o outro como um peixão procurando o ar ou desvencilhando-me de alguma preocupação desconfortável, ou então saltitando alegremente em direção de mais prazer ainda. E me perguntei se poderia ser útil para mim (e para aqueles que carregam o ‘fardo’ de me amar como sou) se eu conseguisse aprender a ficar parada e suportar um pouco mais, sem me deixar sempre arrastar pela estrada esburacada das circunstâncias(…).

Na busca por uma fé qualquer, você se afasta do que te atrai e segue em direção aquilo que é difícil. Abandona seus hábitos reconfortantes e conhecidos com a esperança (e mera esperança) de que alguma coisa melhor lhe será oferecida em troca daquilo de que você abriu mão. A fé é uma forma de dizer: ‘Sim, aceito previamente a maneira como o universo funciona, e acredito previamente naquilo que hoje sou incapaz de entender. Fé é a crença naquilo que não se pode ver, prever ou tocar. Fé é mergulhar de cabeça e em velocidade total rumo à escuridão.

A prece é um relacionamento: metade do trabalho é meu. Se eu quiser transformação, mas se quer for capaz de articular qual exatamente é o meu objetivo, como ela pode ocorrer? Metade do que se ganha com a prece está no próprio ato de pedir, de oferecer uma intenção claramente articulada e refletida. Se você não tiver isso, todas as suas súplicas e desejos não tem sustento, são desconjuntadas, inertes. Então eu agora paro todas as manhãs para buscar dentro de mim mesma a especificidade daquilo que estou realmente pedindo. Formular prece autentica – se não me sinto sincera, permaneço em silêncio até isso acontecer. O que funcionou ontem nem sempre funciona hoje.

Sinto que o destino também é um relacionamento – uma interação entre a graça divina e o esforço pessoal direcionado. Sobre metade dele vc não tem o menor controle; a outra metade está completamente nas suas mãos, e as suas ações terão consequências perceptíveis. O homem não é marionete dos deuses, nem tampouco é o senhor do seu próprio destino; ele é um pouco de ambos.

Galopamos pela vida como artistas de circo, equilibrados em 2 cavalos que correm lado a lado a toda velocidade com um pé sobre um cavalo chamado “destino” e o outro chamado “livre arbítrio”. A pergunta que você precisa fazer todos os dias é “qual cavalo é qual?” Com qual cavalo devo parar de me preocupar, por que ele não está sob meu controle, e qual deles preciso guiar com esforço concentrado?

Você precisa aprender a escolher seus pensamentos do mesmo jeito que escolhe as roupas que vai usar a cada dia. Se você quisesse tanto assim controlar as coisas da sua vida, trabalhe com a sua mente. Ela é a única coisa que você deveria estar tentando controlar. Reconhecer a existência dos pensamentos negativos, entender de onde vieram e por que apareceram e então – com grande capacidade de perdoar e com grande coragem – mandá-los embora. Não vou mais abrigar pensamentos que não forem saudáveis”.

Trecho do livro “Comer, rezar, amar” de  Elizabeth Gilbert

Portal Raízes

As publicações do Portal Raízes são selecionadas com base no conhecimento empírico social e cientifico, e nos traços definidores da cultura e do comportamento psicossocial dos diferentes povos do mundo, especialmente os de língua portuguesa. Nossa missão é, acima de tudo, despertar o interesse e a reflexão sobre a fenomenologia social humana, bem como os seus conflitos interiores e exteriores. A marca Raízes Jornalismo Cultural foi fundada em maio de 2008 pelo jornalista Doracino Naves (17/01/1949 * 27/02/2017) e a romancista Clara Dawn.

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