Vou lhes contar a história do meu filho Arthur, um jovem estudante de arquitetura, aspirante a piloto da aeronáutica e poeta. Cresceu dentro da normalidade de uma família de trabalhadores. Era um bom filho. Dedicado aos estudos e muito amoroso com os familiares e também com seus amigos. Aos 14 anos começou a fazer o uso de substâncias psicoativas e como a sua vida parecia seguir dentro da ‘normalidade do uso recreativo da maconha’, não houve grandes alardes acerca do assunto. Mesmo porque ele concluiu lindamente o ensino médio; ganhou 3 medalhas nacionais de matemática e física; foi tricampeão de Karatê; passou em todos os concursos que prestou, inclusive no vestibular de arquitetura da Universidade Estadual de Goiás, e se preparava para a prova de admissão para piloto da aeronáutica quando algo extraordinário aconteceu: Ele teve um surto psicótico.

Do diagnóstico de esquizofrenia na adolescência

Aos 19 anos, ele entrou em Franco Surto Psicótico. Sim, ele surtou literalmente: ouvia vozes, via pessoas sem cabeças transitando pelas ruas, achava que tinha o poder curar pessoas e animais, arquitetou um plano extraordinário para salvar o planeta… As vozes eram insanas, agressivas, persuasivas e incessantes. Ele parou de dormir e de se alimentar… Perdeu mais de 10 quilos em poucos dias. A internação foi inevitável, pois o risco de suicídio era iminente.

O diagnóstico: Transtorno Psicótico Agudo, tipo Esquizofreniforme (Esquizofrenia Paranóide F20.0 – Cid 10) – com alteração grave da consciência, pensamento delirante, ideação suicida e alucinações visuais.

– Isso tem cura doutora?

– Não.

– Tem controle?

– Se ele nunca mais usar qualquer tipo de droga, pode ser que ele possa ter uma vida livre dos surtos, mas nunca mais poderá parar de tomar os remédios.  Mas se ele usar maconha mais uma única vez, nós não conseguiremos trazê-lo de volta a lucidez nunca mais.

Lidando com o diagnóstico de esquizofrenia

Ele saiu da clínica livre do surto. Compreendeu a doença e aceitou o tratamento: uso medicamentoso de antipsicóticos, visitas semanais à terapia e quinzenais ao psiquiatra, e visitas diárias aos Narcóticos Anônimos. Ele passou 5 meses e 27 dias livre das vozes e começou a escrever um manuscrito intitulado: “No jardim de ervas daninhas, pague para entrar e reze para sair” (link no rodapé), onde ele contou abertamente sobre sua experiência com uso da maconha na adolescência e o diagnóstico de esquizofrenia. Ele passou a dar palestras e entrevistas sobre o assunto e já fazia planos de voltar à faculdade e lutar para que fosse aceito na aeronáutica mesmo sendo esquizofrênico. Entretanto algo dentro de si, o faria trocar o seu cartaz de estreia por um epitáfio.

Da opção pela recaída às vozes 

No dia do seu aniversário 26 de junho, que por uma coincidência confusa também é O Dia Mundial de Combate ao Uso e ao Tráfico de Drogas, Arthur planejou a sua recaída. Decidiu que deveria tirar à prova o que a médica disse e fumou aquele que seria o último back de sua vida. No dia seguinte estava outra vez em surto. Desta vez mais grave. As ideações e tentativas de suicídio eram diárias. Precisou ser internado outra vez. Mas nenhum remédio foi eficaz o bastante para livrá-lo das malditas vozes. Nenhum tipo de tratamento severo foi autorizado: do tipo lobotomia ou eletroconvulsoterapia, porque era desejo dele manter-se acordado a fim de escrever tudo o que estava lhe acontecendo. E ele escreveu a sua história como aqueles que sabem exatamente o fim que dará a ela.

Do suicídio

Para alguns a esperança não é a última que morre, mas a morte, a última esperança para o alivio de sua dor psíquica. E no dia 17 de agosto de 2013, aos 20 anos, o meu filho, meu jovem poeta, lindo e altruísta, optou pelo autoextermínio. Não é verdade que ele queria morrer, ele apenas não queria mais viver. É diferente.

Do legado de que maconha faz mal, sim

E eu que nunca fumei maconha. Nunca usei qualquer tipo de droga. Me vejo inserida nesse contexto social e impulsionada a expor a experiência acerca da esquizofrenia vivenciada pelo meu amado filho drogadicto, esquizofrênico e suicida. Meu filho, poeta, estudante de arquitetura, aspirante a arquiteto da Aeronáutica…(jamais revelou quaisquer sintomas de anomalias mentais); meu filho lindo, amado e tão festivo, se matou. Se eu sabia que ele usava maconha? Sim, eu sabia e vivia tranquila pensando: ‘que bom que ele SÓ usa maconha’. O que eu não sabia, o que também não sabia e ninguém podia imaginar, é que ele tinha predisposição genética para os transtornos mentais; que ele tinha predisposição genética para dependência química. Sabe, isso não sai em exame de sangue e nem no teste do pezinho.

É verdade que ele poderia desencadear a esquizofrenia por outros motivos tais como: um luto ou uma grande desilusão amorosa, mas também é verdade que poderia jamais ter desencadeado a esquizofrenia se não tivesse usado maconha na adolescência, ou poderia estar vivo, apesar do diagnóstico de esquizofrenia, não tivesse levado a prova às orientações da psiquiatra e voltado ao uso.

Da importância da prevenção do uso de drogas na adolescência

Eu gostaria de deixar bem claro que a minha intenção ao relatar essa história não é a de promover debates sobre a legalização e/ou descriminalização do uso da maconha ou quaisquer outras drogas, mas sim, propor a reflexão sobre os riscos da drogadição ativa na adolescência por indivíduos geneticamente predispostos. Coloco a minha vida em exposição neste texto e também em palestra com o único intuito de trabalhar a prevenção do uso, nesse caso, específico da maconha na adolescência.

Tenho “apanhado” muito com a exposição dessa história, mas também imensamente apoiada. Eu não gostaria que isso tivesse acontecido com o meu filho e eu jamais revelaria as minhas vísceras em público, não tivesse eu a plena certeza do que eu digo. Eu não exporia a vida do meu filho ao escárnio, se ele mesmo, antes de decidir pela morte, não tivesse feito isso em suas redes sociais de modo a se colocar como exemplo. Eu poderia, agora que não tenho mais problema algum com drogas em casa, seguir vivendo a minha vida tranquila e ignorar o fato de que o exemplo do meu filho pode servir de alerta aos que ainda não entraram na drogadição. Eu poderia. Sim, eu poderia, mas a minha consciência social não me permite.

A maconha é a droga que mais desencadeia a esquizofrenia em indivíduos geneticamente predispostos

É preciso que os jovens compreendam que tudo na vida evolui e a cannabis evoluiu também: há trinta anos atrás a quantidade de THC (principal substância psicoativa encontrada na maconha) era de 6% e atualmente é 15% com a média a subir, nos próximos anos, cerca de 13%….) Meninos e meninas de 10 a 24 anos, não entrem no jogo das drogas. Digam ‘NAO’ – Vocês podem encontrar alegria de viver na música, na dança, nas artes em gerais e nos esportes. Venham comigo!

Texto de Clara Dawn, escritora, psicopedagoga, psicanalista, pesquisadora que desde 2014 tem se dedicado às pesquisas científicas e de campo sobre a mente na pré-adolescência e adolescência numa perspectiva preventiva aos transtornos mentais e ao suicídio. Ela é presidente e fundadora do IPAM – Instituto de Pesquisas Arthur Miranda

 






Clara Dawn é romancista, psicopedagoga, psicanalista, pesquisadora e palestrante com o tema: "A mente na infância e adolescência numa perspectiva preventiva aos transtornos mentais e ao suicídio na adolescência". É autora de 7 livros publicados, dentre eles, o romance "O Cortador de Hóstias", obra que tem como tema principal a pedofilia. Clara Dawn inclina sua narrativa à temas de relevância social. O racismo, a discriminação, a pedofilia, os conflitos existenciais e os emocionais estão sempre enlaçados em sua peculiar verve poética. Você encontra textos de Clara Dawn em claradawn.com; portalraizes.com Seus livros não são vendidos em livrarias. Pedidos pelo email: [email protected]