Em tempos de crise sorrir é um ato de protesto

As melhores pessoas que conheci até hoje sempre tinham um sorriso no rosto. O sorriso é a fachada da casa. É o convite à visita. Estas, geralmente, são as mais simpáticas, populares, bem sucedidas e talvez as mais manipuladoras pessoas que existem (para o mal, mas sobretudo para o bem).

Certa vez estava andando pela rua com uma amiga e ela de repente abriu um sorriso para alguém que passava por nós na calçada. O rapaz sorriu de volta, tímido. Perguntei se ela o conhecia e ela me disse que não. “Por que sorriste, então?”, indaguei. “Por nada. Só vi que ele estava sério. Não estava sorrindo e agora está”, ponto. Não há como discutir com isso.

Sorrir faz bem à saúde

Sorrir promove a contração de 28 músculos faciais, o que ativa e aumenta no cérebro a produção de serotoninas e endorfinas, neurotransmissores que se disseminam pelo corpo e dão sensação de bem-estar e prazer. O riso é contagiante e, há quem diga, rejuvenescedor.

Tem gente que acha que coisas sérias só podem ser feitas de maneira sisuda. Não se pode achar graça em Brahms ou Beethoven. No meio de um ensaio, todos os músicos erram, se perdem, comem compassos, mas ninguém pode rir. É música séria… Ou então aquela bailarina que caiu no 12º fouetté do Lago dos Cisnes. Imaginem que vai se rir de uma coisa dessas…que chato.

O sorriso é característica de pessoas fortes

Mais do que um recurso dos irônicos, imaturos e debochados, o sorriso constante é uma característica de pessoas fortes. Fazer sorrir é uma necessidade maior do que a exposição de sua própria dor. Há pessoas que são capazes de guardar seus próprios problemas até resolver os das pessoas que as cercam. Há quem diga que serão explorados a vida inteira por isso, mas a verdade é que lhes dá prazer. Contanto que, naquela hora em que não podem mais suportar sua própria carga, por tanto tempo negligenciada, alguém esteja ali para segurar-lhes. O que geralmente não acontece.

“Desculpa, é que você parece tão forte. É difícil imaginar você desanimada assim”, é o tipo de coisas que se ouve quando um dos sorridentes leva uma rasteira da vida e vai desabafar com os amigos. Os quais, invariavelmente, riem deles mesmo nessas situações. É como se você precisasse ser eternamente a muralha que protege tudo e todos. Pouco importa se a carcaça é oca e já amassadinha pelas pauladas que leva diariamente.

O sorriso é contagioso

Lembro de ter uma professora que, por algum motivo, tinha muita febre. Era uma coisa muito recorrente. Acredito que por defesa de seu organismo. Ela dizia quando não estava bem, para deixar claro que estaria debilitada, mas mesmo assim era sempre a mais animada e sorridente da sala. Era uma coisa inacreditável a resiliência daquela moça. E o sorriso, contagiante. Eu sempre lembro dela, pois uma vez perguntei se ela havia melhorado e a resposta foi: “Não! Na verdade, piorei. Estou com muita dor, mas semana que vem faço uma pequena cirurgia e tudo vai ficar bem”, me disse, sorrindo, claro. Algum tempo depois lhe disse que não entendia como conseguia ter tanta energia mesmo quando não estava disposta e ela me falou “não é porque eu não estou bem, que não posso tentar fazer vocês se sentirem bem”. Bastou. Essa frase é o que tento levar como lema para a vida.

Em tempos de crise sorrir é um ato de protesto

 

Políticos sorriem, bons vendedores também. Em propagandas todo mundo sorri (a não ser nas de remédio para dor ou constipação. Isso se não tiver um antes e depois), em videoclipes muita gente também sorri. Em algumas culturas não se pode ver, em outras sequer ouvir o riso. Sorrir, neste caso, é um ato de protesto. Nestes tristes tempos em que vivemos, tudo que é contagioso é revolucionário, infelizmente isso inclui o ódio, a indecência e a violência.

Desta forma, sejamos arruaceiros! Baderneiros! Protestemos! Vamos sorrir por tudo. Desde aquela palavra que não conseguimos pronunciar direito depois de quatro tentativas, até um show idiota de stand-up ou uma comédia Sessão da Tarde. Rir é remédio. Aproveite esses amigos bobos que estão sempre dando gargalhadas de tudo perto de você. Rir é uma forma de conforto. E tudo que conforta, protege. Mas, de vez em quando, assim, só por descargo de consciência, perguntem como eles estão. Nunca esqueça que, mesmo o sorriso mais forte, também quebra. Eles vão dizer que estão bem. Vão sorrir. E esperar que você contagie eles com uma nova revolução.

“Eu rio porque não posso ser oceano”. Clara Dawn

Portal Raízes

As publicações do Portal Raízes são selecionadas com base no conhecimento empírico social e cientifico, e nos traços definidores da cultura e do comportamento psicossocial dos diferentes povos do mundo, especialmente os de língua portuguesa. Nossa missão é, acima de tudo, despertar o interesse e a reflexão sobre a fenomenologia social humana, bem como os seus conflitos interiores e exteriores. A marca Raízes Jornalismo Cultural foi fundada em maio de 2008 pelo jornalista Doracino Naves (17/01/1949 * 27/02/2017) e a romancista Clara Dawn.

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