Nise Magalhães da Silveira nasceu em 1905, em Maceió, Alagoas, e deixou este mundo em 1999, aos 94 anos, mas jamais deixou de habitar o pensamento daqueles que acreditam que a loucura não é um erro da mente, e sim uma linguagem da alma. Médica psiquiatra, ela ajudou a reescrever a história da psiquiatria brasileira e mundial ao se recusar a tratar pessoas como diagnósticos ambulantes.
Em uma época marcada por eletrochoques, contenções físicas e pela crença de que o sofrimento psíquico precisava ser silenciado à força, Nise fez o gesto mais revolucionário de todos: escutou. Escutou não apenas com os ouvidos, mas com o olhar, com a sensibilidade, com a coragem de quem ousa enxergar humanidade onde o sistema só via desvio.
Contrária aos tratamentos agressivos, Nise defendia que ninguém deveria ser violentado em nome da cura. Para ela, a saúde emocional não se construía pela anulação da subjetividade, mas pela possibilidade de expressão. Ao criar espaços de convivência com animais, oficinas de pintura, modelagem, bordado e outras atividades expressivas, ela abriu caminhos para que pessoas diagnosticadas com transtornos graves pudessem dizer quem eram, mesmo quando as palavras faltavam.
Aqui, Jung entra silenciosamente, como uma presença que não precisa se anunciar. A valorização das imagens, dos símbolos, das produções espontâneas do inconsciente e da imaginação como força estruturante da psique atravessa toda a obra de Nise. Para ela, o delírio não era lixo mental. Era mensagem. Era tentativa de reorganização interna. Era, muitas vezes, um pedido de vínculo.
Ao afirmar que a esquizofrenia é apenas um dos muitos modos de ser no mundo, Nise desmontou a lógica da exclusão. Ela não romantizava o sofrimento, mas recusava a ideia de que a diferença precisasse ser esmagada para caber na norma. As vozes, dizia ela, podem ser tratadas de maneira amorosa e criativa. Ignorá-las ou combatê-las violentamente era, muitas vezes, aprofundar a ferida.
Nise percebeu algo que parecia simples demais para a ciência de sua época: nem toda dor sabe falar. Algumas pintam. Outras esculpem. Outras cuidam de um animal como quem cuida de si. A saúde emocional, em sua visão, nasce quando há espaço para expressão, vínculo e reconhecimento.
Seu pensamento permanece radicalmente atual em um mundo que medicaliza a tristeza, acelera a infância, patologiza a sensibilidade e confunde normalidade com saúde. Nise nos lembra que gente curada demais costuma perder o espanto, e sem espanto não há transformação.
Como ela mesma escreveu:
“Não se curem além da conta. Gente curada demais é gente chata. Todo mundo tem um pouco de loucura. Vivam a imaginação, pois ela é a nossa realidade mais profunda.
É necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade.
Em qualquer indivíduo, mesmo no mais esfarrapado pela vida, existem forças criadoras e autocurativas esperando por apoio, esperando por amor, esperando calor humano. Porque o que trata é o contato afetivo com o outro. O que trata é o não preconceito”.
Antes da lista, um aviso gentil: nenhuma dessas práticas funciona como fórmula mágica. Todas exigem tempo, vínculo e a disposição de não tratar a própria alma como um problema a ser consertado.
Desenhar, pintar, modelar ou escrever não para ficar bonito, mas para existir.
O vínculo com animais cria pontes afetivas onde a linguagem humana falha.
Sonhos, imagens recorrentes e fantasias dizem muito sobre o que pede cuidado.
Criar apenas pelo prazer de criar, sem performance, sem utilidade, sem likes.
Nem toda dor precisa ser calada imediatamente. Algumas precisam ser compreendidas.
O contato humano, quando não é julgador, tem efeito profundamente restaurador.
A saúde emocional não mora na padronização, mas na autenticidade possível.
Atividades cotidianas podem ser organizadoras da psique quando fazem sentido.
Nada que desumaniza pode ser chamado de cuidado.
O espanto protege a alma do endurecimento e mantém a imaginação viva.
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