Literatura

“Os ninguéns” – Por Eduardo Galeano

“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”  – Eduardo Galeano, jornalista e escritor uruguaio, autor de mais de quarenta livros – deixou-nos alguns ideais: a importância da solidariedade, de aprender a viver sem medo e da virtude de saber ganhar e perder – “Para se levantar, é preciso saber cair”. Neste vídeo, declamado pelo ator Ivan Lima, um texto magistral de Eduardo Galeano, “Os Ninguéns” – Confira:

As pulgas sonham com comprar um cão, e os ninguéns com quem deixar a pobreza, que em algum dia mágico a sorte chova de repente, que chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chove ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:
Que não são, embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam supertições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não têm cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local. Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.

(In O livro dos abraços)

 

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