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A difícil arte de ser feliz – Por Rubem Alves

Você me pede para que eu fale sobre a difícil arte de ser feliz. Digo primeiro que não possível ser feliz. Felicidade é uma coisa muito grande. O máximo que os Deuses no concedem são momento de alegria que segundo Guimarães Rosa, acontecem em “raros momentos de distração”.

Às vezes a gente fica infeliz por causa de coisas tristes: perde-se o emprego, uma pessoa querida morre… Quando coisas assim acontecem, o certo é ficar triste. Quem continuar alegre em meio a situações de dor é doente. Alegria nem sempre é marca de saúde mental. Há uma alegria que é marca de loucura.

Mas às vezes a nossa infelicidade se deve à nossa estupidez e cegueira. Cegueira: isso mesmo. Olho bom que não vê. Jesus disse que os olhos são a lâmpada do corpo. Quando a lâmpada espalha escuridão, o mundo fica tenebroso.

Você diz que é infeliz porque tem medo do futuro. Eu também tenho. A Adélia Prado tem um verso que diz que o Paraíso vai igualzinho a esta vida, tudo do mesmo jeito, com uma única diferença: a gente não vai mais ter medo. Imagine que o presente é uma maçã madura, vermelha, perfumada, deliciosa. Você se prepara para comê-la, mas, de repente, percebe que dentro dela há um verme. O nome dele é medo. De onde ele vem? Do futuro. Estranho isso: o futuro ainda não aconteceu. Ele não existe. Como é que um medo pode nascer do que não existe? Não existe do lado de fora. Existe do lado de dentro. Dentro da imaginação o futuro existe. O verme nasce da alma. Para a alma, aquilo que é imaginado existe. Como diz Guimarães Rosa: “Tudo é real porque tudo é inventado”. A alma é o lugar onde o que não existe, existe. Nossa imaginação perturbada enche o futuro de coisas terríveis que assombram o presente. Pode ser até que essas coisas terríveis venham a acontecer. Por isso eu também tenho medo. Mas o certo é viver a sua dor no momento em que ela vier, e não agora, quando ela não existe.

Jesus diz que sabedoria é viver apenas o dia presente. “Por que andais ansiosos pelo dia do amanhã?” Olhai os lírios do campo…Olhai as aves do céu…Qual de vós com sua ansiedade, será capaz de alterar o curso da vida”? Os lírios do campo serão cortados e morrerão. Também as aves do céu: o momento da sua morte vai chegar. Mas os lírios e as aves não vivem no futuro; vivem no presente. O fato é que aves e lírios vão morrer, mas não sabem que vão morrer. Nós vamos morrer e sabemos que vamos morrer. Em nosso futuro mora um grande medo. É desse grande medo que vem o verme…

Estória zen que já contei: Um homem caminhava por uma floresta. Anoitecia. Escuro. De repente, o rugido de um leão. O homem teve muito medo. Correu. No escuro não viu para onde ia. Caiu num precipício. No terror da queda agarrou-se a um galho que se projetava sobre o abismo. E assim ficou pendurado entre o leão e o vazio. De repente, olhando para a parede do precipício, viu uma plantinha e, nela, uma fruta vermelha. Era um morango. Ele estendeu o seu braço, colheu o morango e comeu. Estava delicioso… Aqui termina a história. É preciso ter olhos novos. Olhos que vejam os morangos à beira do abismo… Carpe Diem.  

Crônica extraída do livro A Grande Arte de Ser Feliz, 3ª reimpressão, páginas 73-76, Editora Planeta do Brasil Ltda., São Paulo, SP.

 

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As publicações do Portal Raízes são selecionadas com base no conhecimento empírico social e cientifico, e nos traços definidores da cultura e do comportamento psicossocial dos diferentes povos do mundo, especialmente os de língua portuguesa. Nossa missão é, acima de tudo, despertar o interesse e a reflexão sobre a fenomenologia social humana, bem como os seus conflitos interiores e exteriores. A marca Raízes Jornalismo Cultural foi fundada em maio de 2008 pelo jornalista Doracino Naves (17/01/1949 * 27/02/2017) e a romancista Clara Dawn.

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