A saúde mental masculina no Brasil é um tema de crescente urgência, frequentemente ofuscado por uma cultura que historicamente desencoraja a expressão emocional em homens e a socialização masculina que ensina o afastamento dos sentimentos, rotulando-os como fraqueza ou como “coisa de mulher”.
As estatísticas brasileiras sublinham a gravidade desse silêncio imposto. Dados recentes do Ministério da Saúde e de estudos epidemiológicos indicam que, embora a prevalência de depressão possa ser numericamente maior em mulheres, as consequências do sofrimento mental não reconhecido ou não tratado nos homens são desproporcionalmente severas. A alta taxa de suicídio e as internações por problemas de saúde mental, muitas vezes associadas ao uso de substâncias como forma de automedicação ou fuga, demonstram que a dificuldade em acessar o que sentem não é apenas um problema individual, mas uma crise social com impacto letal.
A saúde mental masculina é tema de utilidade pública desde a infância
Segundo Thiago Queiroz, conhecido por seu trabalho como Psicanalista e especialista em Paternidade: Ou assumimos que a saúde mental masculina é tema de utilidade pública desde a infância, ou seguiremos adoecidos e adoecendo quem convive conosco. Ele fez um post público em seu perfil no Instagram onde disse:
“Por que os homens guardam tudo para si, sempre? Bom, eu preciso contar para vocês aqui que de todos, absolutamente todos os pacientes que eu tenho que são homens, todos eles guardam coisas que não falam para ninguém, não falam para pai, para mãe, não falam para amigo, não falam nem para esposa, por exemplo.
E eu não estou falando aqui de um detalhezinho secreto, uma coisinha pequena da vida deles. Boa parte da coisa que acontece no mundo interno desses homens não é falado para ninguém, não atoa que os homens não conseguem cuidar, os homens não conseguem cuidar porque eles nunca se viram nesse lugar, porque primeiro vivem em uma sociedade em que todo mundo fala que se você vai cuidar, vai dar carinho, vai dar afeto, isso é menos, isso é coisa de mulher.
E é muito pelo contrário, não existe nada que fortaleça mais o homem do que o contato com o afeto, do que a construção de um vínculo amoroso, seguro, no qual você pode se sentir seguro para conversar com a outra pessoa que você ama sobre o que você precisa. Todos os homens que eu atendo, os meus pacientes, todos eles guardam muitos segredos, muitas coisas que eles não compartilham com absolutamente ninguém, porque a gente é falado para ser fortaleza desde o início da vida, e ser fortaleza é não demonstrar vulnerabilidade, todo mundo acha que quem demonstra, principalmente o homem que demonstra a vulnerabilidade ele é fraco, mas essa fortaleza que a gente constrói, ela é uma fortaleza de areia, porque o menor problema que pode acontecer nas nossas vidas é que essa fortaleza desmorona, desmorona mesmo, pode parecer que para fora não desmorone, mas para dentro, eu que já passei por isso de não falar com nada, eu sei o quanto a gente perde o chão quando as coisas não vão do jeito que a gente achava que deveria ser, ou quando a gente toma um baque muito grande da vida, e eu sei, você que é homem aí, que está me vendo, está me ouvindo, você sabe disso também, e a gente guarda isso, a gente não fala com ninguém, mas a gente fala com o amigo sobre musculação, a gente fala com o amigo sobre, sei lá, mulher, sobre política, piada, a gente vai falar com as nossas esposas sobre as coisas do dia a dia, a gente pode falar alguma coisa sobre filhos, se muito quando a gente fala, mas sobre o resto do que está aqui dentro, sobre o que a gente tem medo, sobre o que nos angustia, sobre o que nos desespera, a gente não fala com ninguém, a gente guarda isso, a gente passa uma vida inteira sem falar com ninguém sobre isso, e você acha que isso é saudável? Você acha que isso é ser fortaleza?
É óbvio que não, e é isso que a gente tem que mudar, a gente precisa entender que para a gente ser forte, a gente precisa falar sobre as coisas que nos enfraquecem, porque cada vez que a gente fala sobre algo que a gente sente medo, que nos desestabiliza, que nos angustia, essas coisas vão perdendo força, é através da fala que a gente se cura também, e é através da fala que a gente vai conseguir transformar a nossa masculinidade para algo que seja muito mais saudável. […]Não falar sobre isso não é a resposta”.
A fala de Queiroz resume a tese central da masculinidade hegemônica e seu custo emocional, defendendo a necessidade de espaços de segurança para a expressão de sentimentos como um imperativo de saúde pública.
A discussão levantada por Thiago Queiroz encontra um poderoso respaldo teórico na obra do psicólogo americano William Pollack, especialmente em seu livro ‘Meninos de Verdade: Conflitos e desafios na educação de filhos homens’ (Real Boys: Rescuing Our Sons From the Myths of Boyhood).
Baseado em duas décadas de pesquisa na Harvard Medical School, Pollack cunhou o termo “Máscara de Pedra” para descrever a fachada de estoicismo e invulnerabilidade que os meninos e homens são forçados a usar. Segundo o autor, a sociedade impõe um “Código do Menino” que exige que eles sejam: fortes e autossuficientes; dominantes; e restritos emocionalmente, evitando a expressão de sentimentos considerados femininos.
Pollack argumenta que essa repressão emocional começa na infância e é a principal causa de sofrimento psicológico, comportamentos de risco e, em última instância, da crise de saúde mental masculina. O livro é um apelo para que pais, educadores e a sociedade resgatem os meninos dos mitos que os impedem de desenvolver uma vida emocional plena.
A dificuldade masculina em lidar com as emoções é um sintoma profundo de um sistema de crenças enraizado: o machismo. Ele se manifesta de forma transgeracional, cultural e estrutural, impactando diretamente a saúde mental dos homens.
O machismo transgeracional refere-se à transmissão de padrões de comportamento e valores de uma geração para a outra. Pais que foram ensinados a reprimir a dor e a vulnerabilidade inconscientemente ensinam o mesmo a seus filhos, perpetuando o ciclo de rigidez emocional.
O machismo cultural é o conjunto de normas e expectativas sociais que definem o que é ser “homem de verdade” em uma sociedade. No Brasil, essa cultura valoriza força, agressividade e autossuficiência, levando muitos homens a evitarem ajuda psicológica.
O machismo estrutural está embutido nas instituições e na organização social. Ele aparece nos serviços de saúde, no mercado de trabalho e em outras esferas que reforçam a ideia de que o homem deve ser autossuficiente e emocionalmente contido.
O resultado é a masculinidade tóxica, que gera acúmulo de estresse e emoções não processadas, manifestando-se em irritabilidade, raiva e comportamentos autodestrutivos.
Quando o machismo já está entranhado, não adianta jogar sermão na cabeça do sujeito. Pollack mostra que muitos homens internalizam a “Boy Code” tão profundamente que, na vida adulta, seguem vestidos de uma armadura que já nem sabem tirar. Desconstruir o machismo transgeracional é quase como desfazer uma mala de viagem que outra pessoa arrumou: você abre, vê camisetas que não são suas, traumas dobrados embaixo, expectativas empilhadas, e percebe que carregou tudo aquilo a vida inteira sem perguntar se precisava.
A lista a seguir mostra 10 formas práticas de desconstrução para homens que já cresceram, já adoeceram emocionalmente e já perceberam que precisam fazer diferente.
Com exemplos claros, cotidianos e realistas. A seguir, você verá 10 maneiras concretas de desconstruir o machismo quando ele já está instalado, trazendo práticas e posturas que abrem brechas para mudança emocional, relacional e social.
Ideia: Admitir “eu fui ensinado assim” em vez de “eu sou assim”. Exemplo: Quando a parceira aponta uma atitude machista, o homem diz: “Eu não tinha percebido. Me dá um minuto para pensar nisso?”, ao invés de “Nossa, que exagero”.
Ideia: Ler, ouvir, perguntar, desconfiar das próprias certezas. Exemplo: Ele decide fazer um curso, ler Meninos de Verdade ou participar de rodas de conversa sobre paternidade e afetos, e percebe que não está sozinho na luta para desaprender.
Ideia: Não é se abrir para o mundo todo, mas começar com uma pessoa.
Exemplo: Um homem que nunca falou sobre medo diz a um amigo: “Estou esgotado, não sei mais como lidar com isso sozinho”.
Ideia: Trocar automatismos por decisões conscientes. Exemplo: Ele percebe que sempre espera que a parceira lave a louça e decide assumir parte fixa das tarefas sem esperar elogio por “ajudar”.
Ideia: Ouvir não é concordar; é coexistir.
Exemplo: Numa discussão, ele respira e diz: “Continua… quero entender melhor”, em vez de acelerar para provar um ponto.
Ideia: Não basta imaginar o que o outro sente; é perguntar. Exemplo: Ao notar que a companheira está distante, ele pergunta: “Tem algo que eu fiz ou deixei de fazer e que te deixou mal?” — e realmente escuta a resposta.
Ideia: Não é “se você se ofendeu”, e sim “eu fiz isso e foi ruim”. Exemplo: Ele diz: “Eu falei alto com você, foi injusto. Quero reparar e entender como isso te afetou”.
Ideia: Entender que dignidade não se mede em potência, salário ou testosterona. Exemplo: Ele aceita fazer terapia porque percebe que sua ansiedade não é frescura, mas um corpo que está pedindo socorro há anos.
Ideia: Amizade masculina como espaço de afeto e não de disputa. Exemplo: Em vez de tentar ser “o mais forte” no grupo, ele compartilha preocupações, recebe acolhimento e descobre que outros também sofrem silenciosamente.
Ideia: Não basta mudar; é ensinar a mudança. Exemplo: Ele diz ao filho: “Eu aprendi errado, mas estou tentando fazer diferente. Você não precisa repetir o que doeu em mim”.
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