Literatura

É preciso ensinar o transbordamento da felicidade – Rubem Alves

Quero falar da alegria de ser professor, pois o sofrimento de se ser um professor é semelhante ao sofrimento das dores de parto: a mãe o aceita e logo dele se esquece, pela alegria de dar à luz um filho.

Reli, faz poucos dias, o livro de Hermann Hesse, O Jogo das Contas de Vidro. Bem ao final, à guisa de conclusão e resumo da estória, está este poeminha de Rückert:

Nossos dias são preciosos,
mas com alegria os vemos passando
se no seu lugar encontramos
uma coisa mais preciosa crescendo:
uma planta rara e exótica,
deleite de um coração jardineiro,
uma criança que estamos ensinando,
um livrinho que estamos escrevendo.

Este poema fala de uma estranha alegria, a alegria que se tem diante da coisa triste que é ver os preciosos dias passando… A alegria está no jardim que se planta, na criança que se ensina, no livrinho que se escreve. Senti que eu mesmo poderia ter escrito essas palavras, pois sou jardineiro, sou professor e escrevo livrinhos. Imagino que o poeta jamais pensaria em se aposentar. Pois quem deseja se aposentar daquilo que lhe traz alegria? Da alegria não se aposenta.[…]

Para Zaratustra a felicidade começa na solidão: uma taça que se deixa encher com a alegria que transborda do sol. Mas vem o tempo quando a taça se enche. Ela não mais pode conter aquilo que recebe. Deseja transbordar. Acontece assim com a abelha que não mais consegue segurar em si o mel que ajuntou; acontece com o seio, turgido de leite, que precisa da boca da criança que o esvazie.

A felicidade solitária é dolorosa. Zaratustra percebe então que sua alma passa por uma metamorfose. Chegou a hora de uma alegria maior: a de compartilhar com os homens a felicidade que nele mora. Seus olhos procuram mãos estendidas que possam receber a sua riqueza. Zaratustra, o sábio, se transforma em mestre. Pois ser mestre e isso: ensinar a felicidade.

Rubem Alves em “A Alegria de Ensinar” – Versão PDF – Páginas 7/8/9 (Trechos)

Portal Raízes

As publicações do Portal Raízes são selecionadas com base no conhecimento empírico social e cientifico, e nos traços definidores da cultura e do comportamento psicossocial dos diferentes povos do mundo, especialmente os de língua portuguesa. Nossa missão é, acima de tudo, despertar o interesse e a reflexão sobre a fenomenologia social humana, bem como os seus conflitos interiores e exteriores. A marca Raízes Jornalismo Cultural foi fundada em maio de 2008 pelo jornalista Doracino Naves (17/01/1949 * 27/02/2017) e a romancista Clara Dawn.

Recent Posts

Depois dos 50 é preciso tomar a vacina contra o herpes-zóster

Herpes Zoster é uma doença que aparece na pele, causada pelo Vírus Varicela-Zoster (VVZ), o…

17 horas ago

“Quanto mais inteligente é uma pessoa, menos sociável ela é”- Por Leandro Karnal

O professor Leandro Karnal, no vídeo “Ler é viver”, reflete sobre a relação entre cultura,…

1 dia ago

“É através do brincar livremente que a criança elabora angústias primitivas e organiza sua vida emocional” – Melanie Klein

Em uma época em que as telas dominam o cotidiano, as crianças estão gradualmente desaprendendo…

3 dias ago

Dois Papas: um raro exercício de escuta e humanidade em tempos de polarização

The Two Popes (título original), lançado em 2019, é dirigido pelo cineasta brasileiro Fernando Meirelles,…

1 semana ago

“Todos, todos, todos merecem acolhimento e respeito” – Papa Francisco

No dia 21 de abril de 2025, o mundo se despediu de Jorge Mario Bergoglio,…

1 semana ago

“Um filho não se perde na rua, se perde dentro de casa” – Com Catherine Steiner-Adair

Com acesso sem supervisão, e ilimitado à internet, alguns especialistas temem que as crianças e…

2 semanas ago