“Estamos em guerra conosco mesmos e o primeiro desses alvos é curiosamente uma maioria: as mulheres. Em Moçambique há mais um milhão de mulheres que homens. Mas ao nível das percepções, os homens dão pouca importância a essa verdade. Eles são chefes, os donos, e olham as mulheres como uma pertença privada. As mulheres, por outro lado, ainda pedem licença para existir. A maioria das mulheres que são objeto de violência dos maridos acha que isso não é um crime. Acham normal, acham natural. Ser agredida faz parte do seu destino, da sua imutável natureza.
Reclamamos a violência da rua, mas é mais provável uma mulher ser agredida dentro de casa do que fora de casa. É mais provável uma criança ser agredida e violentada no espaço da sua família. Esta tendência não sucede apenas em Moçambique, mas no mundo. As estatísticas são reveladoras e assustadoras: cerca de 70 por cento dos atos de violência contra a mulher acontecem dentro da casa.
Mais de 60% dos assassinatos de mulheres são cometidos pelos seus companheiros ou ex-companheiros. Em todo o mundo, uma em cada três mulheres ou já foi ou será violentada. O que sucede é que para nós essa violência é legitimada por razões que se dizem culturais. Nós ainda banalizamos muito facilmente. É ainda prevalecente a ideia de que a mulher é culpada, porque ela é quem provoca a violência. Ainda achamos que este assunto não tem a ver conosco, que é para ser denunciado pelas ONGs. Isto é, desresponsabilizamo-nos. Mesmo sendo mulheres, achamos que este assunto tem a ver com os outros. Mesmo sendo homens que têm mães, irmãs e filhas, achamos que isto não tem nada a ver conosco”. Mia Couto
Excertos extraídos da aula inaugural da Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane (ECA/UEM), em 2012. Mia Couto é pseudónimo de António Emílio Leite Couto, escritor e biólogo moçambicano. Dentre os muitos prêmios literários com os quais foi galardoado está o Prêmio Neustadt, tido como o “Nobel Americano”.
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