Texto de Fabrício Carpinejar
Só o ursinho de pelúcia sabe o que a menina de dez anos de São Mateus, no Espírito Santo, sofreu. Mais ninguém. Nem família. Nem Ministério Público. Nem médicos. Nem policiais. Nem especialistas. Nem opinião pública.
Só o ursinho testemunhou o horror e ficou do seu lado, sem julgar. Entendendo que ela é a única vítima de uma história cruel, que é uma criança indefesa, que não desfruta de condições de absorver o que aconteceu.
Só o ursinho teve a capacidade de escutá-la, consolá-la, secar as suas lágrimas, carregá-la dali para o faz-de-conta.
O ursinho não é o seu filho imaginário, mais parece o seu pai, o seu colo, a sua fortaleza, o seu quarto fechado, o seu sonho resguardado de ladrões e intrusos.
O ursinho é a sua infância feliz, o que restou de sua infância em meio à maldade e perversão dos adultos.
O ursinho é o seu travesseiro de dia, o seu cobertor de rosto, o seu cheiro de proteção, o seu esconderijo da tristeza, a ingenuidade que ainda tem para brincar.
Ela confia no ursinho, perdeu a fé nas pessoas.
O ursinho é a sua solitária esperança, o seu diário, em quem ainda consegue acreditar.
Ela contou ao ursinho que foi abusada pelo seu tio durante quatro anos e engravidou do estupro. Podia falar apenas com ele, tamanho o desamparo. O agressor a ameaçava de morte se rompesse o silêncio.
Ela só tem o ursinho na vida, mais ninguém. Aperta o urso no peito para o coração não explodir.
Texto de Fabrício Carpinejar
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