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“A internet popularizou a escrita e não é empobrecimento é diálogo com o leitor”

Onde nasce um escritor hoje? Necessariamente na internet? Conversamos sobre esse assunto com o escritor gaúcho Fabrício Carpinejar, que começou publicando livros “de papel” antes de ir para a rede, onde hoje mantém dois blogs. Aos 35 anos, Fabrício já publicou livros de poesia, crônicas, infantis e foi contemplado com importantes prêmios literários. Seus livros já foram traduzidos e publicados na Alemanha, na Itália e na França.

Como é a sua experiência escrevendo na internet? Como você começou?

Comecei em 2003, e nunca parei. Nem férias. Aliás, quando tiro férias é para escrever ainda mais (risos). Já tinha quatro livros publicados (As Solas do Sol, Um terno de pássaros ao sul, Terceira Sede e Biografia de uma árvore). Ou seja, não me formei na rede, entrei já estabelecido. Mas ela me abriu, percebi o quanto é custoso ser simples e comunicativo. Passei a compor crônicas e me iniciei no gênero. Um dos riscos da poesia na rede é que ela se esgota fácil. Não teria tanta poesia para liberar mensalmente, imagina semanalmente?! É um ritmo mais lento, algo como enxergar o mundo de noite a partir de um relâmpago. O que fiz? Liberei meu diário poético, a crônica é a anotação bruta da poesia. Flagrantes líricos do cotidiano. Escapadelas da imaginação dentro da rotina. Fortaleci-me no exercício do contra-senso, na briga pelo lado mais fraco do visível. Sou do contra porque não enxergamos o óbvio. Imitamos os outros e sequer cogitamos nossas escolhas. Vivemos mais com o céu na cabeça do que a cabeça no céu, como diria Cherteston. Quero perturbar a ordem estabelecida, por uma harmonia mais emocional e secreta. Quero a poesia enquanto ela é escrita no corpo. Aliás, quero o corpo mais do que a poesia.

O que você publicou em livro “de papel” saiu direto dos trabalhos publicados na internet?

O único livro que saiu da rede foi O Amor Esquece de Começar, de crônicas, que está na segunda edição e foi publicado em 2006. Há muita diferença entre escrever no blog e publicar — porque exige corte e edição e toda uma seqüência que faz e conceitua o livro. Não é transcrever, é criar uma unidade e um elo temático. No caso, tomei a perspectiva feminina para filtrar as relações amorosas (O que uma mulher quer, quando ela goza, a solidão de mãe, gíria masculina, a vocação perdulária no início do namoro e a avareza do final, a corrupção do amor, a previsibilidade gostosa do casamento, entre outros tópicos). Já uma das virtudes do espaço digital é a possibilidade de intercambiar a pintura com meus textos. Uso pintores de minha afeição não como mera ilustração, até como um contraponto ao que digo.

A internet para você é um suporte de divulgação ou é um meio que propicia a criação de uma nova linguagem e experimentações?

Meu suporte é minha linguagem. Na hora de escrever crônicas, paro sem querer em 2.300 caracteres. É aonde a minha respiração vai. Mais do que isso não preciso. Escrevo mordendo o ar. No fundo, escrevo cartas devolvidas ao remetente.

Você acompanha a produção literária na internet?

Acompanho. Não há escritor que não espiche a vizinhança e não viva da curiosidade. Basta deixar um link em meu blog, que vou lá furungar.

Percebe o surgimento de uma nova linguagem entre os gêneros literários — poesia, conto, romance — surgindo nesses trabalhos que são publicados na rede?

Acredito que ainda usamos a internet como âncora do papel. Ela poderia criar uma maior mobilidade cinética, cênica e intertextual. A internet, ironicamente, valorizou o livro. Os escritores escrevem na internet como uma modalidade literária, assim como no nado há 100m, 200m, 400m. Destaco o crescimento da crônica — e sua valoração como gênero, assumindo uma importância mais do que circunstancial e assegurando uma sobrevida além dos jornais. Veja O Carapuceiro, de Xico Sá, por exemplo. O nonsense, o lírico e a ironia em textos curtos e intensos.

À medida que surgem novos escritores em um novo meio de divulgação e escrita, surge também uma nova linguagem, especialmente na poesia e no conto?

A poesia e o conto ainda são de poucos amigos na rede. Teriam que fazer amizade com o cinema, com o teatro e com as artes plásticas para provocar uma maior dinâmica virtual. Meu medo é que é difícil equilibrar uma amizade entre áreas sem que exista submissão de uma delas.

A literatura da tela virtual é a mesma do papel concreto?

É interessante que jornais como O Globo, em seu caderno “Prosa e Verso”, passaram a resenhar corajosamente blogs e sites literários como se fossem livros. E muitos autores avaliados com qualidade e inéditos no papel terminaram, em seguida, publicando livros.

Os escritores ainda desejam o livro? A internet é sala de espera para isso?

Perfeito. O livro é como a formalização. Ainda queremos transar para casar. Não transar para transar. São raros os autores que mantém um blog durante três ou mais anos que não tenham interesse editorial. A resistência na internet é literatura, porque significa que há um projeto e uma visão de mundo por detrás daquele endereço. Uma ambição de visibilidade.


Na internet, há um novo caminho de relação entre autor-leitor, um caminho mais independente, sem intermediários. Você acredita que isso pode levar a uma popularização maior da poesia, por exemplo? Ou o leitor de poesia da internet é o mesmo que compra um livro na livraria?

Sem dúvida, avalio a poesia como a arte mais adequada para a internet. A mais enfática. A mais perigosa. A internet vicia como o jornal. Mas refinamos nossas obsessões. Começamos lendo 20 blogs e terminamos lendo dois por dia. Igual ao jornal: raros são os que acompanham todas as editorias. Confesso: eu fico entre Esporte, Política e Cultura. A poesia está perdendo seus estigmas com o público, pois os poetas estão conversando diretamente com seus leitores. Eles tornam-se leitores de seus leitores. Aquela conversa depressiva de que poesia não vende, de que não há interesse, termina soterrada pela eletricidade dos comentários. Adeus desculpas! O leitor que gosta de um autor vai procurá-lo em tudo o que é canto, inclusive no livro.

Há certo preconceito hoje para a literatura que sai da rede? Você acha que a divulgação em blogs, sites vulgariza o trabalho?

Se o trabalho é vulgar, vulgariza. Se o trabalho é elegante e inventivo, enriquece. É tudo questão de tempo. Até o ano passado, havia um ranço com escritores que deixavam a rede para os livros como se fossem sinônimos de catarse e de marketing. Isso está mudando. A literatura sempre teve um papel aristocrático, do papel, da caneta e do isolamento. É óbvio que existem medrosos que não aceitam colocar sua reputação em jogo para ler gente nova. Jogam nos mesmos números na biblioteca e na mega-sena. A internet popularizou a escrita e não é empobrecimento — não há mais como fazer uma época sem conversar com seus contemporâneos.

Você acredita em uma renovação da literatura do século XXI a partir, exclusivamente, do que escritores inauguram na internet?

Sim, eles estão mais rigorosos, perderam a ansiedade e a pressa de publicar, conhecem melhor seu trabalho porque saíram da gaveta e enfrentaram a exposição pública. Testaram estilos e formas. Não farão vanguarda por pose, mas por crença. Não soltarão nada no papel sem a contrapartida do treino. Os escritores da rede vivem treinando, vão jogar melhor nas partidas de campeonato.

Portal Raízes

As publicações do Portal Raízes são selecionadas com base no conhecimento empírico social e cientifico, e nos traços definidores da cultura e do comportamento psicossocial dos diferentes povos do mundo, especialmente os de língua portuguesa. Nossa missão é, acima de tudo, despertar o interesse e a reflexão sobre a fenomenologia social humana, bem como os seus conflitos interiores e exteriores. A marca Raízes Jornalismo Cultural foi fundada em maio de 2008 pelo jornalista Doracino Naves (17/01/1949 * 27/02/2017) e a romancista Clara Dawn.

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