A dependência emocional pode ser compreendida, à luz da psicanálise, como uma tentativa inconsciente de reparar feridas afetivas precoces, muitas vezes instauradas na infância, quando a criança não foi suficientemente acolhida em suas necessidades emocionais mais fundamentais. Ao tentar preencher essas lacunas, o sujeito, já adulto, busca no outro o amor que lhe foi negado, criando laços marcados pela idealização, pelo medo de abandono e pela crença de que o amor precisa ser conquistado com esforço, sacrifício ou submissão.

Em vez de nutrir vínculos saudáveis, baseados na reciprocidade e no respeito mútuo, essas pessoas acabam se envolvendo em relações desequilibradas, nas quais o sofrimento torna-se parte do laço. Quem ama demais acredita que o amor é incondicional, mesmo que o preço seja a própria dignidade ou saúde emocional.

Essa é justamente uma das reflexões que a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva propõe em seu livro Mentes que Amam Demais: O Jeito Borderline de Ser. A autora descreve com clareza e empatia como algumas pessoas, especialmente mulheres, vivem um padrão emocional intenso, instável e dependente, típico das chamadas mentes borderline, o que as leva a se manter em relacionamentos destrutivos.

Embora o livro não se restrinja ao tema das relações tóxicas, ele oferece uma compreensão profunda dos mecanismos emocionais, como medo de abandono, idealização e baixa autoestima, que frequentemente sustentam a dependência afetiva.

A seguir, apresentamos uma leitura psicanalítica inspirada nesses conceitos, relacionando as características descritas por Ana Beatriz com os padrões emocionais mais comuns em pessoas que tendem a se envolver em vínculos tóxicos.

1. Carência afetiva profunda e medo do abandono

Em Mentes que Amam Demais, Ana Beatriz descreve o medo intenso de rejeição como um traço marcante de personalidades emocionais instáveis. Do ponto de vista psicanalítico, esse medo é o eco de uma carência primária: o sentimento de não ter sido plenamente amado. Assim, o sujeito busca no outro uma presença constante, como se a própria existência dependesse desse amor.

Exemplo: uma mulher que aceita traições e desrespeitos por acreditar que, sem o parceiro, sua vida perderá o sentido. O medo do abandono fala mais alto que o amor-próprio.

2. Autoestima fragilizada

Segundo a autora, essas pessoas oscilam entre sentimentos de inferioridade e idealizações. Elas não reconhecem o próprio valor e se esforçam para merecer o afeto alheio. A psicanálise entende isso como uma identidade construída na falta: o sujeito só se sente alguém quando é amado, o que o torna vulnerável à submissão afetiva.

Exemplo: um homem que se anula para agradar a parceira e aceita humilhações, acreditando que esse é o preço para não ser rejeitado.

3. Idealização do parceiro

Ana Beatriz aponta que mentes que amam demais tendem a projetar no outro a imagem de um salvador. Essa idealização é uma defesa inconsciente: o sujeito prefere acreditar num amor idealizado a encarar o vazio que o habita. O resultado é um vínculo fantasioso, sustentado pela esperança de que “ele vai mudar” ou “no fundo me ama”.

Exemplo: uma mulher que interpreta o ciúme e o controle como provas de amor, recusando-se a reconhecer o abuso emocional.

4. Repetição de padrões familiares disfuncionais

Ainda que o livro enfoque o funcionamento emocional, ele se alinha ao princípio psicanalítico de que amamos como fomos amados. Quem cresceu em lares com afeto instável, frieza ou autoritarismo pode repetir, na vida adulta, essas mesmas dinâmicas, numa tentativa inconsciente de reparar o passado.

Exemplo: um adulto que busca parceiros emocionalmente indisponíveis, revivendo a ausência afetiva dos pais.

5. Dificuldade em estar só

Um dos traços centrais descritos em Mentes que Amam Demais é o pavor da solidão. A ausência de um relacionamento é vivida como fracasso e abandono. Por isso, o sujeito salta de uma relação a outra, sem elaborar o luto e sem tempo de reencontrar a própria individualidade.

Exemplo: uma mulher que termina um relacionamento abusivo e, poucos dias depois, inicia outro, apenas para não enfrentar o silêncio de si mesma.

Como romper esse ciclo.

Ana Beatriz Barbosa Silva enfatiza que o primeiro passo é o autoconhecimento: identificar os padrões que se repetem e compreender suas origens emocionais. A psicoterapia é uma ferramenta fundamental para fortalecer a autoestima, reconstruir a identidade e aprender a estabelecer limites claros.

A cura é gradual e não linear. Envolve dor, mas é uma dor que transforma e liberta o sujeito da repetição, abrindo espaço para o amor verdadeiro, aquele que nasce do cuidado consigo mesmo.

Em síntese

Ninguém deveria amar à custa de si mesmo. Amor que dói, aprisiona ou humilha não é amor, é carência travestida de entrega. A liberdade de amar com saúde começa quando aprendemos a nos amar o suficiente para não aceitar menos do que merecemos.

Se você se reconhece nessas descrições, acolha-se com ternura. Não se culpe. O que foi aprendido pode ser desaprendido, e o amor pode ser reescrito — uma escolha de autocuidado por vez.

Fontes:

  • Mentes que Amam Demais – O Jeito Borderline de Ser, Ana Beatriz Barbosa Silva
  • Entrevista com Ana Beatriz Barbosa Silva
  • Artigo: “Relações tóxicas e saúde emocional”, Instituto de Psicologia da USP
  • Canal oficial da autora Ana Beatriz no Youtube





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