A dependência emocional pode ser compreendida, à luz da psicanálise, como uma tentativa inconsciente de reparar feridas emocionais precoces — muitas vezes instauradas ainda na infância, quando a criança não foi suficientemente acolhida em suas necessidades afetivas mais fundamentais. Nessa tentativa de preencher lacunas, o sujeito, já adulto, busca no outro o afeto que lhe foi negado, desenvolvendo laços muitas vezes baseados na idealização, no medo de abandono e na crença de que o amor deve ser conquistado com esforço, sacrifício ou submissão.

Em vez de nutrir relações saudáveis, baseadas na reciprocidade e no respeito mútuo, essas pessoas acabam por se engajar em relações desequilibradas, por vezes abusivas, onde o sofrimento torna-se parte do vínculo. A pessoa que ama demais acredita que o amor é incondicional, a qualquer custo — mesmo que o preço seja sua saúde emocional, sua dignidade ou sua liberdade.

É com essa abordagem acessível e acolhedora que a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva, no livro Mentes que Amam Demais, nos ajuda a compreender os mecanismos psíquicos que levam tantas pessoas — especialmente mulheres — a se manterem presas em ciclos de relacionamentos tóxicos e destrutivos. A autora revela, com delicadeza e contundência, como algumas mentes se moldam ao sofrimento em nome do amor, repetindo padrões que se perpetuam ao longo da vida.

5 características emocionais de pessoas que tendem a se envolver em relações tóxicas

1. Carência afetiva profunda e medo do abandono

Pessoas que “amam demais” sentem um vazio interior que parece só poder ser preenchido por um relacionamento amoroso. Têm uma urgência em serem amadas, como se sua existência dependesse da validação do outro. Esse padrão pode vir de vivências infantis onde o amor foi condicionado, ausente ou instável.

Exemplo prático: Uma mulher que aceita repetidas traições e desprezo de um parceiro por acreditar que, sem ele, sua vida perderá o sentido, revelando a raiz do medo do abandono.

2. Autoestima fragilizada

Essas pessoas geralmente não reconhecem seu próprio valor. Elas se sentem indignas de amor e tentam “merecer” o afeto do outro a qualquer custo, mesmo sacrificando sua dignidade e suas necessidades pessoais.

Exemplo prático: Um homem que se anula completamente para agradar a parceira, não impõe limites e aceita humilhações, acreditando que esse é o preço para manter a relação.

3. Idealização do parceiro

Elas tendem a idealizar o outro, enxergando qualidades que muitas vezes não existem e ignorando os comportamentos abusivos ou negligentes. A crença de que “ele vai mudar” ou “no fundo, ele me ama” mantém viva uma ilusão que as aprisiona.

Exemplo prático: Uma mulher que justifica o ciúme excessivo e o controle do parceiro como “provas de amor”, recusando-se a enxergar os sinais de abuso psicológico.

4. Repetição de padrões familiares disfuncionais

O modo como aprendemos a amar na infância influencia profundamente nossos vínculos adultos. Quem cresceu em lares com pais ausentes, frios, controladores ou abusivos pode, inconscientemente, repetir essas dinâmicas, tentando consertar no presente o que ficou mal resolvido no passado.

Exemplo prático: Um adulto que se envolve sempre com pessoas emocionalmente indisponíveis, revivendo a ausência afetiva que sentiu dos pais.

5. Dificuldade em estar só

A solidão é percebida como um fracasso, como se a ausência de um relacionamento amoroso significasse ausência de valor pessoal. Por isso, essas pessoas preferem se manter em relações ruins a ficarem sozinhas, alimentando uma sensação constante de desamparo.

Exemplo prático: Uma mulher que termina um relacionamento abusivo e, dias depois, já está em outro, mesmo sem conhecer bem o novo parceiro, apenas para não enfrentar o vazio da solitude.

O que fazer para sair desse ciclo

A autora enfatiza que o primeiro passo é o autoconhecimento. É preciso identificar os padrões emocionais repetitivos e compreender de onde vêm — muitas vezes com a ajuda de psicoterapia. A cura passa pelo fortalecimento da autoestima, pela reconstrução da própria identidade e pela capacidade de estabelecer limites claros e escolhas conscientes.

Ana Beatriz também orienta que o caminho da libertação emocional é gradual e não acontece de forma linear. Envolve dor, mas é uma dor transformadora — que abre espaço para o verdadeiro amor: aquele que começa no cuidado consigo mesmo.

Em suma: Ninguém deveria amar à custa de si mesmo. O amor não deve machucar, anular, aprisionar ou diminuir. Se amar é sofrer constantemente, é preciso repensar o que se entende por amor. A liberdade de amar o outro de forma saudável começa quando aprendemos a nos amar o suficiente para não aceitar menos do que merecemos.

Se você se reconhece em alguma dessas características, acolha-se com ternura. Não se culpe. Você pode reescrever sua história emocional, uma escolha de autocuidado por vez.

Fontes pesquisadas e sugestões de leitura:






As publicações do Portal Raízes são selecionadas com base no conhecimento empírico social e cientifico, e nos traços definidores da cultura e do comportamento psicossocial dos diferentes povos do mundo, especialmente os de língua portuguesa. Nossa missão é, acima de tudo, despertar o interesse e a reflexão sobre a fenomenologia social humana, bem como os seus conflitos interiores e exteriores. A marca Raízes Jornalismo Cultural foi fundada em maio de 2008 pelo jornalista Doracino Naves (17/01/1949 * 27/02/2017) e a romancista Clara Dawn.