As transformações sociais e culturais das últimas décadas mudaram radicalmente a forma como amamos, criamos e educamos. A família patriarcal, aquela regida pela obediência e pela autoridade inquestionável do pai, perdeu espaço para uma estrutura mais horizontal, afetiva e fluida. Mas, junto com a liberdade conquistada, veio também um novo tipo de angústia: a incerteza sobre como educar filhos sem cair nem no autoritarismo do passado, nem na permissividade do presente.

A desordem que revela uma nova ordem

A psicanalista e historiadora francesa Élisabeth Roudinesco, em sua obra Família em Desordem, analisa justamente essa transição: a passagem da família hierárquica para a família do afeto. Segundo ela, não estamos vivendo o fim da família, mas a metamorfose de suas bases simbólicas. O que antes era estruturado pela lei e pelo dever agora é guiado pelo amor e pelo desejo, o que, inevitavelmente, traz uma certa desordem saudável.

Roudinesco nos convida a entender que essa “desordem” não é uma falha, e sim um sintoma da liberdade. Quando o pai autoritário se retira de cena, quando a mulher conquista autonomia e quando as crianças passam a ter voz, a família precisa reinventar sua forma de existir. No lugar de uma autoridade rígida, surge a necessidade de uma presença simbólica: pais que orientem sem oprimir e filhos que aprendam a desejar sem destruir os laços.

No contexto brasileiro, essa reflexão ganha ainda mais força. A desigualdade social, a ausência paterna, a sobrecarga materna e a falta de políticas públicas de apoio à infância tornam a educação um desafio existencial. Ser pai ou mãe no Brasil é equilibrar-se entre a culpa e o amor, entre o desejo de dar liberdade e o medo de perder o controle.

7 maneiras de educar com amor e limite segundo  Élisabeth Roudinesco

Com base nas ideias de Roudinesco e na leitura psicanalítica da família contemporânea, apresentamos sete caminhos possíveis para educar filhos em tempos de liberdade e desordem. Não são regras, mas convites à reflexão, pontes entre o amor e o limite, o afeto e a lei.

  1. Educar é transmitir, não impor.
    Transmitir valores não é repetir mandamentos, mas oferecer referências simbólicas. A autoridade se legitima pela coerência, não pelo medo.
  2. Dizer “não” também é um ato de amor.
    O limite é o contorno do afeto. Filhos sem “não” não aprendem o que é o outro, nem o que é o mundo.
  3. A presença vale mais do que o discurso.
    Estar junto é mais educativo que qualquer manual. A criança aprende pelo olhar, pelo tom, pela forma como o adulto lida com a própria vida.
  4. Escutar é educar.
    Quando os pais escutam de verdade, a criança não precisa gritar. O diálogo é o novo pilar da autoridade simbólica.
  5. A liberdade precisa de um chão.
    Sem uma base afetiva e ética, a liberdade vira vazio. Educar é oferecer chão antes de oferecer asas.
  6. A família não precisa ser perfeita, precisa ser possível.
    O ideal de perfeição adoece. Lares reais, com falhas, silêncios e reconciliações, ensinam muito mais sobre humanidade do que modelos impecáveis.
  7. O amor não substitui a lei; caminha ao lado dela.
    Roudinesco lembra que, quando o amor tenta ocupar o lugar da lei, a criança perde o norte. O desafio é amar com limites e cuidar sem anular o outro.

Para concluir

A desordem familiar não é o fim da família, é o sinal de que ela está viva, tentando se adaptar ao tempo em que vivemos. As famílias de hoje vivem o drama de querer ser livres, sem saber como educar os filhos para uma liberdade conciliada com o afeto, a presença e a ordem.

O que Roudinesco nos ensina com essa reflexão é que a verdadeira educação não nasce do controle, mas da presença simbólica e afetiva que ajuda o sujeito a se tornar quem é, com liberdade e responsabilidade.

Talvez, como pais, mães e educadores, estejamos todos buscando o mesmo: um modo de ensinar a liberdade sem perder o vínculo, e de amar sem abrir mão da disciplina.






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