O Bovarismo ou Síndrome de Madame Bovary é o “sentimento romântico pelo sofrimento” ou “insatisfação afetiva crônica”. A Síndrome de Madame Bovary é um padrão desadaptativo de comportamento e cognição que se caracteriza pela existência de uma insatisfação persistente e crônica derivada da negação da realidade e as expectativas que temos do mundo, especialmente no âmbito das relações afetivas e românticas. Embora os relacionamentos amorosos sejam um elemento comum no seu tipo de pensamento, o que define o transtorno é a insatisfação crônica e a busca por um ideal irreal de felicidade.

O Bovarismo provoca na pessoa uma total infelicidade e ela não consegue se obrigar a resolver os conflitos existenciais que lhe causa grande sofrimento psíquico e vivencia uma permanente sensação de que é mais fácil conviver com a dor, do que ser responsável pelo esforço buscar a própria fonte de felicidade. Em termos modernos, pode-se dizer que é um estudo das neuroses afetivas e dependência emocional. Os principais sintoma da síndrome de Madame Bovary são estados crônicos de melancolia, decepção, insatisfação e frustrações.

As teorias psicanalíticas de Sigmund Freud podem ser utilizadas com referência à análise de obras literárias. A leitura de romances, poemas e outras composições pelas lentes da psicanálise dá a oportunidade de analisar e avaliar essas obras em sua gênese e funcionamento. Neste artigo, a personagem principal do livro Madame Bovary, Emma, ​​​​é analisada com referência às teorias de Freud sobre a estrutura tripartida da mente (Id, Ego e Superego), as pulsões sexuais e a personalidade histérica.

Segundo Freud, esse tipo de transtorno está ligado a algum tipo de trauma sexual ocorrido durante a infância do paciente, bem como a ideias distorcidas ou falsas memórias de uma experiência sexual traumática. No caso de Emma, o autor do livro não menciona esse tipo de acontecimento em sua vida pessoal, mas ilustra o sofrimento da personagem pela perda precoce da mãe, repentinas mudanças de humor, a celeridade com que o pai se livra da filha e a tendência a sonhar acordada…

Além disso, Freud postulou que as emoções ligadas às experiências traumáticas, muitas vezes escondidas e reprimidas no inconsciente, são transformadas em sintomas somáticos graças à conversão, um mecanismo de defesa que permite ao Ego gerir melhor as ideias desagradáveis ​​e aterrorizantes.

De onde surgiu o termo bovarismo?

Bovarismo leva o nome de Madame Bovary, a personagem de Gustave Flaubert que tinha a tendência de negar a realidade e escapar dela em seus devaneios, vendo a si mesma como heroína e fazendo ouvidos surdos a tudo que acontecia ao seu redor, esforçando-se para alcançar objetivos impossíveis.

Madame Bovary tinha ideias preconcebidas sobre casamento e vida social que não correspondiam ao que acontecia em sua vida real, que ela considerava comum, monótona e chata. Por essa razão, ele começa a fantasiar sobre uma vida idílica, afastando-se cada vez mais da realidade. Como resultado, ela estava acumulando mais e mais insatisfação.

Essa personagem chamou a atenção do filósofo francês Jules de Gaultier, que cunhou o termo bovarismo para se referir a pessoas que vivem em um estado de insatisfação emocional crônica, porque insistem em negar a realidade.

Sintomas mais comuns:

1. Expectativas irreais

Expectativas são hipóteses que projetamos sobre como o mundo deveria ser. No entanto, às vezes esquecemos que são meras suposições e as assumimos como fatos. Portanto, nos sentimos desapontados quando a realidade não atende às nossas expectativas. O problema é ainda pior quando alimentamos expectativas irrealistas; isto é, quando a distância entre o que esperamos acontecer e a realidade é muito grande. Pessoas com a Síndrome de Madame Bovary acumulam muitas expectativas irreais que surgem de sua imaginação, elas são uma projeção do mundo que elas gostariam, desconectadas do mundo real.

2. Metas impossíveis

Quem sofre bovarismo também costuma considerar metas impossíveis de cumprir. Sua incapacidade de viver na realidade leva-o a aspirar a coisas que não estão ao seu alcance. O problema é que, ao não tomar nota do que está acontecendo ao seu redor, a pessoa não estabelece planos concretos para realizar seus objetivos, mas se limita a construir castelos no ar sem levar em conta os recursos disponíveis para ele. Na verdade, essa pessoa define objetivos impossíveis precisamente para não ter que persegui-los, por isso é comum “apaixonar-se” por aqueles que não podem retribuir ou sonhar com um estilo de vida muito além de suas possibilidades reais.

3. Viés de confirmação

As pessoas com Síndrome de Madame Bovary também tendem a ser vítimas de um viés de confirmação, o que significa que elas só tiram da realidade as peças que se ajustam às suas expectativas e visão distorcida. Elas se fazem cegas aos sinais que indicam que estão se desviando e não percebem até atingirem a parede da realidade. Na prática, essas pessoas só veem o que querem ver e interpretam o que acontece de uma maneira que se adapte à sua visão de mundo. Isso os leva a viver em um mundo fictício, que mais cedo ou mais tarde acaba desaparecendo.

4. Negação como estratégia de enfrentamento

Todos nós enfrentamos problemas e conflitos na vida. Nesse momento podemos implementar diferentes estratégias de enfrentamento. Pessoas com a Síndrome de Madame Bovary apostam na negação como estratégia de enfrentamento. Elas fecham os olhos para a realidade, culpam os outros e negam sua responsabilidade ou até os próprios fatos. Essas pessoas são verdadeiras mestres do “escapismo”, evadem a realidade porque não gostam e preferem continuar vivendo em seu mundo de sonhos. O problema é que, a longo prazo, não enfrentar a realidade tende a levar a problemas ainda maiores, já que a pessoa colocará em prática comportamentos desadaptativos que não lhe permitem resolver conflitos.

5. Imagem irrealista do “eu”

No final, a Síndrome de Madame Bovary implica uma falta de autoconhecimento. Muitas vezes essas pessoas têm uma imagem de si mesmas idealizadas ou glorificadas, não reconhecem suas fraquezas ou limitações, mas acham que merecem tudo. Também é comum exagerar nos conflitos, assumindo-os como tragédias e reagindo com comportamentos que fazem fronteira com a paranoia porque acreditam que os outros querem prejudicá-los.

Como resultado da negação da realidade, metas impossíveis e expectativas frustradas, quem sofre de bovarismo acaba por desenvolver uma insatisfação crônica. De fato, não é incomum que essas pessoas pensem em suicídio, assim como a protagonista de Flaubert.

Como sair das redes do bovarismo?

Qualquer um pode ser uma vítima do bovarismo. Se você passa por um momento ruim, as coisas dão errado e você se sente sobrecarregado emocionalmente, é tentador escapar da realidade e começar a culpar os outros, construindo castelos nas nuvens onde você se sente mais à vontade. De fato, a Síndrome de Madame Bovary é ativada quando queremos evitar uma situação social ou sentimental que consideramos insatisfatória. No entanto, o bovarismo é uma armadilha mortal que você tende a si mesmo e só leva a um resultado: insatisfação perpétua.

O primeiro passo para sair desse círculo vicioso é perceber que você tem dificuldade em lidar com a realidade, porque espera que as coisas aconteçam como você gostaria e, quando não é, você evade.

O segundo passo é praticar a aceitação radical. Aceitar o que acontece não significa ficar abnegada, mas você não pode mudar a realidade se primeiro não identificá-la, compreendê-la, aceitá-la e apresentar a si mesma, metas mais objetivas, que você pode alcançar com o seu esforço. Essa perspectiva ajudará você a se fortalecer, a crescer e a melhorar gradualmente. Evitar a realidade é construir castelos nas nuvens. E isso pode ter sérias consequências a longo prazo.

Tratamento

A síndrome de Madame Bovary é um distúrbio comportamental cujo tratamento envolve trabalhar as crenças mais profundas no que diz respeito ao valor dos relacionamentos, a modificação de preconceitos cognitivos, crenças irrealistas e trabalhar a autoestima. É necessário refletir e analisar a forma de pensar, sentir e se relacionar consigo mesmo, com os outros e com o meio onde se vive, bem como isso afeta a si e aos que convivem com a pessoa.

As pessoas que sofrem desse transtorno podem ser tratadas com a ajuda de especialistas em cognitivo comportamental ou psicanalistas, que avaliarão o caso e estabelecerão o protocolo de intervenção mais adequado. Essa síndrome também pode estar ligada a outros transtornos mais graves, como os transtornos obsessivos, que tornam a intervenção ainda mais necessária.






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