No intricado balé da vida a dois, os passos discretos — lavar a louça, arrumar a casa, cuidar das roupas — são, na verdade, coreografias silenciosas que nutrem o amor e legitimam o “nós”. As tarefas domésticas, aparentemente banais, são oportunidades para expressar cuidado, igualdade e parceria. Sob o olhar atento da psicanálise, tornam-se símbolos profundos da relação: quem assume, quem delega, quem agradece, tudo ecoa antigas dinâmicas familiares e revela dinâmicas inconscientes de poder, reconhecimento e afeto.

Ciência e Evidências: o que diz o estudo de Carlson (2006)

O 2006 Marital and Relationship Survey (MARS), conduzido por Daniel Carlson e colaboradores, analisou 487 casais heterossexuais com filhos. O estudo revelou que a divisão igualitária das tarefas domésticas está fortemente associada à satisfação conjugal e à harmonia sexual (researchgate.net). Contudo, o aspecto mais revelador foi a influência da qualidade da comunicação:

  • A forma como as mulheres se comunicam molda diretamente a divisão das tarefas .
  • A qualidade da comunicação masculina é resultado dessa divisão; quando os homens participam igualitariamente, comunicam-se melhor, o que, por sua vez, eleva a satisfação delas.

Ou seja, não basta dividir as tarefas — é preciso que o processo se dê dentro de um diálogo sensível, justo e colaborativo.

Cuidado compartilhado

Pela lente psicanalítica, o lar é palco de projeções profundas. Quando um parceiro se sente invisível ou sobrecarregado, pode emergir um ressentimento que remete a feridas não resolvidas da infância. Ao empenhar-se nas tarefas e reconhecer o esforço do outro, ambos anatômicos sentimentos de dependência, valorização e autoestima. Essa é a arquitetura de um “nós” que amplia a subjetividade de cada um.

Já a recusa ou a falta de envolvimento aponta para uma fuga de responsabilidade, no limite do narcisismo — um impasse que recria conflitos antigos de poder e abandono. Portanto, participar das tarefas de forma justa e grata é um gesto psíquico de afirmação do outro, da relação e do amor.

7 Caminhos (práticos e simbólicos) para tornar essa dança leve e nutritiva

  1. Diálogo verdadeiro e escuta ativa
    Façam juntos um inventário das tarefas, comentem preferências e limites. A escuta sem julgamento reforça o sentimento de pertencimento.
  2. Divisão por gosto e habilidade
    Quem gosta de cozinhar cozinha, quem prefere o jardim cuida. O equilíbrio nasce da afinidade e respeito.
  3. Rodízio criativo
    Troquem tarefas menos fáceis semanalmente, transformando-as em desafios que podem trazer leveza — com recompensas simbólicas ou pausas previstas.
  4. Tarefa em dupla
    Cozinhar, montar móveis ou varrer juntos pode ser ritual compartilhado e um momento de afeto.
  5. Flexibilidade empática
    Se um está fragilizado, o outro assume mais. Porque amar também é ceder sem cálculos.
  6. Reconhecimento sincero
    “Obrigada por limpar a louça” é um pequeno afeto que reverte ciclos de invisibilidade.
  7. Celebração conjunta
    Uma troca de olhares no fim da semana, um jantar especial, um passeio — celebrações singelas validam o esforço conjunto.

Conclusão

A divisão de tarefas é, ao mesmo tempo, um ritual de cuidado e um espelho emocional. Quando feita de forma igual e agradecida, reconstrói laços, promove intimidade e devolve ao casal a percepção de que estão juntos, sempre, na coautoria da vida. Aquele gesto cotidiano — lavar louça, arrumar a cama, preparar um lanche — pode ser poesia em forma de vínculo. Nas minúcias do dia, reside o amor maduro: uma dança que se aprende a cada passo, a cada gesto, a cada abraço compartilhado no pôr‑do‑sol do cotidiano.

Fontes pesquisadas:

  • Daniel L. Carlson, Amanda J. Miller e Stephanie Rudd. Division of Housework, Communication, and Couples’ Relationship Satisfaction. Socius (2020), com dados do 2006 Marital and Relationship Survey (researchgate.net, sites.utexas.edu, journals.sagepub.com).
  • Matéria sobre influência da comunicação feminina na divisão de tarefas — University of Utah (2020) (journals.sagepub.com).
  • Relançamento do estudo relacionando divisão de tarefas e satisfação sexual e conjugal (Quartz, Time etc.)





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