A ansiedade é um mecanismo de defesa evolutivo natural, essencial para a sobrevivência e o desempenho diário. Ela ativa um sistema de vigilância psíquica que nos prepara para situações de risco — como atravessar uma rua ou sentir medo em um local escuro — e nos motiva a ter um melhor desempenho em atividades cotidianas.
No entanto, a ansiedade torna-se patológica quando é acionada de forma constante e desproporcional, mesmo diante de situações que não oferecem ameaça real. Nesses casos, ela se transforma em uma condição desgastante, com impactos funcionais significativos na vida da pessoa.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a ansiedade já é considerada uma epidemia mundial, afetando cerca de 290 milhões de pessoas. O Brasil lidera o ranking global de prevalência, com aproximadamente 18,6 milhões de brasileiros afetados.
Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG)
Entre os tipos mais comuns de ansiedade patológica está o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), muitas vezes descrito como uma “verdadeira tortura”: um estado de alarme constante, sem pausa ou descanso. Acomete principalmente mulheres, geralmente entre o final da adolescência e o início da idade adulta.
A ansiedade patológica se manifesta por medos persistentes — medo de não dar conta, de que algo ruim aconteça ou até mesmo o “medo do medo”. Mesmo que a pessoa saiba racionalmente que esses medos não se concretizam, ela continua a alimentá-los, resultando em uma espécie de paralisação cognitiva.
Causas e fatores de risco
As principais causas para o desenvolvimento do TAG incluem:
1. Predisposição genética
2. Fatores ambientais estressantes ou traumáticos, como pobreza, violência, divórcio, viuvez, lutos mal elaborados, hospitalizações prolongadas
3. Hábitos nocivos, como uso excessivo de cigarro, álcool, cafeína e anfetaminas
4. Fatores hormonais — como gravidez, menopausa e período pré-menstrual — que tornam as mulheres mais vulneráveis
Por se tratar de uma condição crônica, o TAG não tem cura, mas pode ser controlado. Em alguns períodos, os sintomas entram em remissão, o que pode ser confundido com a cura. No entanto, gatilhos ambientais ou emocionais podem reativar o transtorno, sendo essencial o acompanhamento psicoterapêutico.
Sintomas do TAG: físicos, psíquicos e comportamentais
Muitas pessoas convivem com os sintomas da ansiedade por anos, confundindo-os com traços de personalidade ou doenças clínicas, o que pode atrasar o diagnóstico.
1. Sintomas físicos:
• Tensão e dores musculares (inclusive cefaleias tensionais)
• Bruxismo
• Insônia, sono agitado, pesadelos
• Fadiga persistente
• Taquicardia, aperto no peito, respiração curta
• Sensação de nó na garganta, boca seca
• Tontura, formigamento nas extremidades
• Náuseas, aumento da motilidade intestinal
• Sudorese, tremores, aumento da pressão arterial
2. Sintomas psíquicos:
• Preocupações excessivas, catastrofização
• Nervosismo, irritabilidade, inquietação
• Dificuldade de concentração e memória
• Pensamentos acelerados, angústia
• Medo difuso e irracional
• Intolerância à incerteza
• Sensação de desesperança
3. Sintomas comportamentais:
• Perfeccionismo
• Comportamentos evitativos frente a situações que provoquem angústia ou incerteza
Para o diagnóstico de TAG, é necessário que pelo menos três dos seis sintomas principais (nervosismo, problemas de memória/concentração, insônia, fadiga, tensão muscular e irritabilidade) estejam presentes de forma persistente por seis meses consecutivos. Trata-se de uma interpretação disfuncional da realidade pelo cérebro, que ativa mecanismos de ameaça onde não há perigo, mantendo o Sistema Nervoso Autônomo em estado de alerta constante.
Psicossomática: a linguagem do corpo
A psicossomática é o campo que estuda a relação entre os estados emocionais e os sintomas físicos. Corpo e mente são dimensões interligadas — sintomas físicos podem ser manifestações simbólicas do nosso mundo interno. O corpo fala o que muitas vezes não conseguimos dizer com palavras.
Todos nós somatizamos em maior ou menor grau, a depender do evento estressor e dos recursos físicos e emocionais disponíveis. Nenhuma doença é totalmente “da mente” ou “do corpo”. O ser humano é uma totalidade: biopsicossocial e espiritual.
Situações emocionais intensas — como ansiedade, estresse ou conflitos mal elaborados — podem agravar ou até desencadear processos físicos de adoecimento.
O estômago como espelho emocional
O sistema digestivo, especialmente o estômago, é um dos principais alvos das somatizações. Sensações como frio na barriga, ânsia, perda ou aumento do apetite, queimação, diarreias e vômitos podem ser respostas simbólicas a experiências emocionais intoleráveis. Por exemplo:
A ânsia pode representar algo emocionalmente “indigerível”
A diarreia pode ser uma tentativa do corpo de expelir uma angústia aguda
Emoções indigestas e adoecimento físico
A forma como pensamos e sentimos molda nossas emoções — e emoções mal digeridas, quando reprimidas ou cronicamente vividas, podem enfraquecer o sistema imunológico, aumentando a vulnerabilidade a doenças.
Entre os sentimentos mais associados às somatizações intensas estão:
• Ressentimento
• Raiva
• Inveja
• Culpa
• Tristeza profunda
• Medo
• Mágoa
• Falta de perdão
O perfil psicológico de quem somatiza costuma incluir traços como rigidez, repressão emocional, angústia, perfeccionismo e alto nível de autocobrança.
A longo prazo, essas emoções podem contribuir para o desenvolvimento de condições como:
• Úlceras gástricas
• Fibromialgia
• Doenças autoimunes
• Problemas cardíacos e respiratórios
• Câncer (em casos extremos, como fator contributivo e não causal único)
O perdão, em especial, é destacado como um ato de inteligência emocional — um gesto de autocuidado para não perpetuar o próprio sofrimento.
Conclusão
A ansiedade, quando se transforma em transtorno, exige acolhimento, escuta, compreensão e tratamento contínuo. Olhar para as emoções com atenção, aprender a nomeá-las e compreendê-las é um dos caminhos mais potentes para o cuidado da saúde física e mental.
A psicossomática nos convida a ouvir o corpo como quem ouve uma criança — com paciência, empatia e humildade.