“A questão não é só eu chegar ao final desse túnel escuro que é a pandemia, e ali respirar aliviado porque eu o atravessei. É, como é que eu chegarei? Se eu chegarei com decência, se eu chegarei com a ideia de que mereci mesmo atravessar e lá chegar, ou se chegarei envergonhado”, disse o professor Mario Sergio Cortella em entrevista concedida por meio de teleconferência á BBC News Brasil. Nós do Portal Raízes extraímos os seguintes excertos, para sua apreciação:

“A pandemia evidenciou desigualdades, fissuras, fossos. Ela não os criou”

“Uma das questões mais sérias deste momento é nós trazermos à mente algumas perguntas decisivas, especialmente no campo ético. A pandemia evidenciou desigualdades, fissuras, fossos. Ela não os criou ainda, mas vai criá-los.

Se nós não dermos conta, enquanto nação, do cuidado com aqueles que são mais vitimados pela ausência de recursos financeiros, de emprego decente, de alimentação, de uma moradia saudável, se nós não cuidarmos disso desde agora, haverá um aprofundamento desses fossos. Esses fossos existiam, mas agora ganharam uma nitidez imensa. Eles estão à nossa volta como parte daquilo que no jornalismo se chama de pauta. Uma pauta cotidiana, que está à mostra”.

O que foi que eu não fiz? O que que eu deixei de fazer?

“Há duas atitudes possíveis: uma é fechar os olhos e imaginar que não está acontecendo, o que não é só tolo, como de nada adiantará em relação a levar a uma solução. A segunda forma é fazer-se uma pergunta que é: mas o que foi que eu fiz? Porque uma tendência nossa nessas situações é dizer: o que foi que eu fiz? Porque a resposta é fácil (…): eu não fiz nada para isso (pandemia) acontecer.

Mas a pergunta tem que ser outra: o que foi que eu não fiz? O que que eu deixei de fazer, eu Cortella, como uma pessoa que vive nesta nação, para que coisas como essas que agora estão sendo evidenciadas chegassem em um nível que ganham uma característica aterrorizante para quem nessa situação já está?

Segundo: se aquilo que eu deixei de fazer é algo que eu não posso refazer, porque aquele tempo não existe, o que eu posso fazer desde agora? É necessário que a gente olhe sempre com uma perspectiva: face aquilo que temos, ou a pessoa diz ‘o que eu posso fazer’, de modo entregue, desanimado, até acovardado e, eventualmente, cúmplice; ou coloca um ponto de interrogação e diz ‘o que eu posso fazer?’ E sai em busca de uma resposta e vai buscá-la”.

‘Estamos juntos!’, ‘estou com você!’- Como é que é, isso no cotidiano?

“(…)A questão não é só eu chegar ao final desse túnel escuro que é a pandemia, e ali respirar aliviado porque eu o atravessei. É: como é que eu chegarei? Se eu chegarei com decência, se eu chegarei com a ideia de que mereci mesmo atravessar e lá chegar, ou se chegarei envergonhado.

É preciso também que eu me sinta mais respeitoso comigo e olhe tudo o que houve para que eu não tenha nenhuma vergonha de deixar de fazer o que eu deveria ter feito, de ter esquecido que eu poderia ter feito, e mais do que tudo, aquilo que é parte de uma solidariedade que neste momento não pode, de modo algum, ser só retórica: ‘estamos juntos!’, ‘estou com você!’- Como é que é, isso no cotidiano?

Ora, nosso país passará por momentos mais difíceis do que estamos vivendo agora no ponto da capacidade de acesso a bens, a meios, ao provimento da vida. O mundo passará, mas nós também. (…) Por isso volto e concluo: O que foi que eu não fiz? E aí pensar no que eu devo fazer”. (Leia a entrevista na íntegra aqui).

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