“Nunca na história humana tivemos tanta rebeldia contra a infelicidade. Então, o que mudou não é a busca pela felicidade, é que agora não estamos mais aceitando a infelicidade: a morte, a doença e a decadência”, disse o professor Leandro Karnal em entrevista ao programa Conversa com Bial– do dia 13/12/2019.
Depois de assistir a entrevista, comecei a meditar sobre a obrigação pós-moderna de estarmos sempre felizes e sobre o que a tristeza tem para nos ensinar quando decidimos respeitá-la e ouvi-la.
A tristeza não tem nada para ensinar se você não parar e ouvi-la
Toda essa rebeldia pós-moderna contra a infelicidade e toda essa obrigação para se mostrar sempre feliz, não é saudável. Hoje o que nós esperamos da vida é que a tristeza seja uma exceção, conquanto, na somatória das passagens e paragens do processo de existir, sofrer é regra e felicidade, exceção. Pois os sintomas da dor de existir, do luto, das frustrações, do abandono, das decepções, das amarguras… precisam ser vivenciados desde à infância, para serem compreendidos e ressignificados ao longo da vida.
Então a rebeldia contra o sofrimento no processo de existir, precisa ser canalizada a favor da aceitação do próprio processo. Todavia o sofrimento, as tristezas não têm coisa alguma a ensinar àqueles que não se obrigam a escutá-los com o respeito que merecem.
Lembrei com importante ênfase de Arthur Fleck, personagem de Joaquin Rafael Phoenix, no filme O Coringa (2019), quando em suas anotações escreveu o seguinte: “A pior parte de se ter uma doença mental é que as pessoas querem que você se comporte como se não a tivesse”. Neste filme é possível observar que a reflexão acerca da ‘felicidade obrigatória’ está em todo o contexto, texto, imagens, sons, silêncios do princípio ao fim. É possível notar o papel que as mídias exercem sobre ‘quem devemos ser’ e de como, principalmente, ela nos desvia daquilo que realmente somos. Como ela, com grande sucesso, desempenha a construção de nossa identidade cultural, de nossa fenomenologia social, de nosso consciente coletivo. A felicidade obrigatória é um produto imprescindível ao consumismo, pois ela atinge o alvo com precisão cirúrgica: no id, no nosso mais profundo e narcísico desejo, que é o de sermos – a qualquer custo – aceitos.
A coisa mais difícil da evolução humana é tornar-se quem você realmente é
A coisa mais difícil da evolução humana é tornar-se quem você realmente é. Ser quem você é. Isso reverbera os pensamentos longínquos de Nietzsche e também do oráculo de Delfos: “conhece a ti mesmo”. O que Nietzsche e as máximas délficas não previam era que esta seria a missão mais turbulenta dos seres pós-modernos. Uma vez que a pós-modernidade trouxe consigo a globalização de um mundo hedonista, capitalista, elitista, excludente, racista, machista, homofóbico, xenofóbico, intolerante, odioso, hipócrita, covarde e cruel.
É esta terrível ‘obrigação’ pós-moderna de estarmos sempre felizes (de acordo com as normas da sociedade) que nos torna tão infelizes. Nunca tivemos tanta obrigação de sermos felizes e nunca fomos tão infelizes. Só no Brasil são mais de 11 milhões de pessoas diagnósticas com depressão. Quase 6% da população. Diagnósticas. E aquelas que nem sabem que estão com depressão ou com outros tipos de transtornos mentais graves, que são riscos iminentes de suicídio? Segundo a Organização Mundial de Saúde, a depressão já considerada a doença mais incapacitante do mundo.
Então, como se tornar quem você é, nesse meio? É preciso ousar muita coragem e grande amor próprio para assumir o protagonismo de sua história. Para encarar o máximo de verdade sobre si mesmo e abraçá-la como se fosse a única forma de sobrevivência da sua razão de existir, do seu sentido real na Terra.
Ora, não é você que precisa se encaixar na sociedade. É a sociedade que precisa aceitar você exatamente como você é. E é verdade que este mundo tal qual ele se apresenta é que está errado e não você. Você é uma criatura ‘unimultipla’ e é como um ser lindo e unimultiplo que precisa ser aceito, enxergado, respeitado. E a outra grande verdade é que não conseguiremos a aceitação de quem somos sem luta. A história da humanidade é a história das lutas. Só a luta muda e dá sentido à vida. Avance lutando. Não desista de acreditar em si mesmo, de acreditar que é possível sim, um mundo de equidade, de aceitação e de amor fraterno incondicional. E eu só escrevo essas coisas para que aqueles que pensam como eu, saibam que não estão sozinhos.
Este texto é de autoria da escritora, neuropsicopedagoga e psicanalista Clara Dawn. Especial para o Portal Raízes.
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