Segundo domingo de agosto, dia dos pais. Fazendo uma pesquisa rápida na internet, é possível saber que em 6 de dezembro de 1907, na cidade de Monongah, na Virgínia, Estados Unidos, houve uma explosão em uma mina de carvão, resultando na morte de trabalhadores. Para ser mais específica, 250 dessas vítimas eram homens e pais. Então, no dia 5 de junho do ano seguinte, foi realizada uma missa para homenagear as vidas perdidas na tragédia e refletir sobre a importância da figura paterna na formação das crianças. 

No entanto, a data só foi incluída no calendário dos Americanos de maneira oficial em junho de 1966, ocupando o terceiro domingo do mês. O Brasil, por sua vez, adotou a comemoração nos anos 50, por questões comerciais. Unindo o útil ao agradável, as pessoas poderiam demonstrar seu amor por seus progenitores comprando-lhes presentes, o que movimentaria a economia. Prática, essa, que apesar de suas diferenças entre as nações do globo, segue bem consolidada e que faz a alegria de muitos. 

Por outro lado, o dia dos pais também tem que servir para ser levantados certos questionamentos. Como fica, por exemplo, a situação das crianças que não têm o sobrenome do genitor no registro? Segundo dados do IBGE de 2018, são mais de 5,5 milhões de brasileirinhos e brasileirinhas que sofrem com essa lacuna e seus derivados. O que colabora para o aumento de famílias chefiadas só por mulheres, as chamadas mãe solo. Ainda de acordo com dados do IBGE, estima-se que elas sejam mais de 11 milhões. 

No caso específico de uma mulher ser mãe solo, a sociedade naturalizou o abraço dado em homens, serem transferido para elas. O que poderia ser um lindo gesto de reconhecimento, se não fosse as mazelas por trás disso. A sobrecarga maternal, em ter que desenvolver vários papeis na vida da prole; o aborto masculino, tão banalizado pelas instituições; a necessidade de se representar a figura paterna de alguma forma, invalidando todo o resto. 

Como tentativa de solucionar a problemática, surgiram debates que principalmente as escolas, criem o dia da família, ao invés de datas isoladas. Imaginando que assim toda a diversidade parental de crianças e jovens possa ser acolhida. Mas é preciso lembrar que outra lástima do nosso país, é o número de menores que estão hoje em casas de acolhimento. Cerca de 34,6 mil. Desses, 4,9 mil estão disponíveis para adoção, segundo o Conselho Nacional de Justiça. Seriam eles menos merecedores de um lar e de terem a oportunidade de celebrar seus afetos? 

Porque, sim, para além do modelo da família tradicional brasileira, composta por pai, mãe e filhos, outros modelos também existem e precisam ser respeitados. Um deles, inclusive, ficou em evidência nos últimos dias. O ator Thammy Miranda, que é transexual, estrelou a campanha 2020 de dia dos pais da Natura. O vídeo com pouco mais de 1 minuto de duração foi alvo de críticas e repulsas. Um comportamento difícil de entender, pois envolve preconceito e vista grossa para atitudes de fato escandalosas. 

Mais que embrulhos de presentes sendo abertos ou textões sendo postados nas redes sociais, o que não tem nem um problema, que essa data possa trazer consigo todas as conversas que são necessárias e urgentes de se fazer, a respeito do que é paternidade e como ela tem sido exercida pelos homens. Para que consigamos algum dia um mundo equânime e chamar para a festa quem é excluído ou negligenciado desde antes de nascer e que muitas vezes carrega as marcas disso por toda a vida. 






Juliana Santhele é jornalista, jovem, negra, PCD. Colunista do Portal Raízes, ouvinte de podcast nas horas vagas, leitora do que chama a sua atenção. Autora do livro: "Entre Vistas" sobre a maternidade solo na sociedade brasileira pós-moderna (prelo).