Quando a figura do pequenino garoto de olhos verdes, cabelo preto e cicatriz em formato de raio surgiu timidamente em um primeiro livro voltado ao público infantil, após ter sido recusado por várias editoras, ninguém poderia ter previsto o profundo impacto e legado que deixaria na história da literatura e do cinema. Hoje, Harry Potter, saga criada pela britânica J.K Rowling, concebida em devaneios em uma viagem de trem, tem seu nome repetido e aclamado por leitores e espectadores de todas as faixas etárias, gêneros, classes sociais e nacionalidades. Com seus 7 livros, 8 filmes, e uma franquia estimada em bilhões de dólares, a saga atravessou gerações e conquistou lugar no coração de muitos.

Com uma história ficcional, imersa em fantasia, Harry Potter cria um universo que lhe é próprio, preenchendo o imaginário com criaturas místicas, bruxos, feitiços e poções. A série, ao longo dos 10 anos em que seus livros foram escritos, amadureceu significantemente. Ainda assim, pode-se dizer que, desde a concepção, trazia em seu âmago reflexões ricas e complexas, envolvendo dilemas morais e éticos, além de problemas sociais e políticos, que complementam em muito o típico “conto de fadas”.

Analisemos, então, algumas questões extremamente realistas que transbordaram desse universo de magia.

Discriminação: sangues-puro, “sangues-ruins”/nascidos-trouxas e “bruxos abortados”

 

A questão do “status de sangue” apresenta enorme relevância no enredo da saga. À primeira vista, o universo mágico de Harry Potter parece não apresentar estruturalmente formas de discriminação comuns ao ‘mundo dos trouxas’, mas, prontamente, no primeiro livro, nos familiarizamos com a estratificação social por “status de sangue” que permeia as relações bruxas.

Descobrimos que há uma estrutura social que divide bruxos em: sangues-puros, “sangues-ruins” e “bruxos abortados”.

Os sangues-puros são, naturalmente, os indivíduos nascidos de pais também bruxos, com linhagem exclusivamente bruxa. Conforme apresentado na série, é comum que “sangues-puros” possuam uma linhagem “nobre”, por vezes tradicional, sendo a classe de onde provém as mais altas e consideradas figuras do mundo bruxo, assim com as mais bem-afortunadas (a exemplo dos Malfoy e dos Black). Os sangues-puros, portanto, representariam a “elite”, a classe dominante do mundo bruxo.

Os “sangues-ruins”, por sua vez, são os indivíduos nascidos de pais “trouxas” (que não possuem magia), enquanto os “bruxos abortados” são os nascidos de pais bruxos que, por algum motivo, não são capazes de produzir magia.

Percebemos no universo de Harry Potter que a grande maioria dos bruxos de sangue puro apresenta um histórico de discriminação com os nascidos-trouxas, a que cunham de “sangues-ruins”, afirmando não serem merecedores de magia. Descobre-se, no segundo livro, Harry Potter e a Câmara Secreta, que a discriminação é provavelmente milenar, visto que um dos fundadores de Hogwarts, uma das mais reconhecidas escolas do mundo mágico, Salazar Slytherin, pregava que os nascidos-trouxas não deveriam ser recebidos na escola. A discriminação possui tamanha força que os sangues-puros que apoiam e respeitam os nascidos-trouxas são cunhados de “traidores do sangue”.

Mais tarde, os propagadores da ideia de inferiorização dos que não são “puros” encontram seu líder em Voldemort, que se dedica a, sistematicamente, perseguir e eliminar nascidos-trouxas, submetendo o mundo mágico ao comando e vontades dos sangues-puros.

J.K Rowling tem o trabalho de destacar a hipocrisia de Lord Voldemort enquanto líder político e oportunista (visto que, apesar de pregar ideologias, o comando do mundo mágico tinha como finalidade principal satisfazer a sua sede poder), ao revelar, em Harry Potter e o Enigma do Príncipe, que Voldemort era, de fato, mestiço. Apesar de sua mãe, Mérope Gaunt, pertencer à linhagem de Salazar Slytherin, seu pai, Tom Riddle, era um trouxa – fato que esconde imperativamente, inclusive de seus seguidores.

A figura de Voldemort é, por muitos, associada a figuras reais, como líderes políticos ditatoriais, sobretudo fascistas, visto que parece querer promover algo semelhante a uma “limpeza étnica”. J.K Rowling chega a comentar em entrevista que Voldemort seria, em comparação, “um racista”.

Além disso, em uma parte menos explorada na série, temos a figura dos “bruxos abortados”. Os bruxos abortados são majoritariamente tratados com condescendência ou desdém pela comunidade bruxa. Ignorados sistematicamente (não possuem ao menos registros em instituições oficiais do governo bruxo), são quase excluídos do mundo mágico. Uma prova do desdém geral é que a própria família Weasley parece apresentar certo desconforto ao mencionar um parente distante que seria um bruxo abortado. Os bruxos abortados parecem não ter muita perspectiva de ascensão social, e em toda saga só temos uma figura presente, o zelador Filch, e uma aparição – a vizinha de Harry em Harry Potter e a Ordem da Fênix.

A escravização dos elfos domésticos

A questão da escravização dos elfos domésticos carrega certo grau de controvérsia. O primeiro contato com a escravização de elfos surge em Harry Potter e a Câmara Secreta, com a querida figura de Dobby. Desde o princípio, Dobby apresenta comportamento estranho – condicionado à autopunição quando acredita fazer algo errado -, ao lado de um coração nobre. Mais tarde, descobrimos que Dobby servia a Lúcio Malfoy, pai de Draco Malfoy, sendo submetido a castigos físicos recorrentes, além de injúrias verbais constantes, e obrigado pela família a um regime de servidão. A servidão só cessaria caso o próprio “mestre” presenteasse seu servo com uma peça de roupa – concedendo-lhe, enfim, sua liberdade. Longe de ser um problema isolado, em outros livros conhecemos outros elfos domésticos, como Monstro, que servia à família Black, e nos é revelado que a cozinha de Hogwarts é regida por elfos domésticos.

Apesar dos principais personagens lutarem contra a discriminação sofrida pelos nascidos-trouxas, poucos (quase nenhum) parecem se importar com a situação dos elfos domésticos, naturalizando-a. Nesse panorama, vemos brevemente a tentativa de Hermione de criar uma organização que promovesse a libertação dos elfos (S.P.E.W – Society for the Promotion of Elfish Welfare; F.A.L.E – Fundo de Apoio à Libertação dos Elfos, em português). Hermione, no entanto, frustra-se ao perceber o total desinteresse de seus colegas de escola e até mesmo de seus próprios amigos, que afirmam ser uma causa perdida. Decepciona-se, ainda, ao saber que alguns elfos acreditavam merecer a servidão ou não vislumbravam outra forma de vida, “optando” por permanecerem submetidos. Entende-se, portanto, que a comunidade bruxa em geral acredita que a servidão faz parte da própria natureza dos elfos, apesar das criaturas possuírem exímios poderes mágicos, sendo inclusive, em alguns casos, mais poderosos que bruxos.

Fugindo ao status quo do mundo bruxo, vemos como os elfos eram condicionados pelas famílias nobres, tratados de forma subumana e cruel. E, com Dobby, observamos sua profunda e sincera alegria ao ver-se livre de uma rotina de torturas, finalmente dono de si mesmo – algo que almejou por toda sua vida. Dessa forma, talvez seja mais fácil apoiarmos o projeto de Hermione que a supremacia bruxa.

Sistema prisional e justiça

Em Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban temos contato com duas importantes instituições oficiais do mundo mágico: o Ministério da Magia e Azkaban. Conhecemos, primeiramente, a figura dos dementadores, consideradas as criaturas mais perigosas, repulsivas e aterrorizantes do mundo mágico. Os dementadores são vistos apenas por bruxos, possuem aparência fantasmagórica e com a sua chegada exalam no ambiente desespero e tristeza. São conhecidos por se alimentarem da felicidade alheia, sugando-a do corpo das pessoas que atacam, e o seu “golpe fatal”, o beijo do dementador, é capaz de retirar a alma das vítimas. São essas criaturas os guardas da Prisão apresentada na saga – a prisão de Azkaban.

Ao que parece, os prisioneiros de Azkaban são confinados em celas individuais, sendo os dementadores seu único possível contato, enquanto guardiões das celas. Os prisioneiros, portanto, são submetidos a um confinamento solitário de longo prazo. Não só isso: além de estarem em celas individuais, sozinhos, sem direito a qualquer contato externo, são obrigados, em meio à solidão, a conviver com a desagradável presença dos dementadores, que empesteiam o ambiente com sentimentos sombrios.

J.K Rowling, falando sobre Azkaban, declarou que “aqueles que entraram para investigar depois se recusaram a falar sobre o que encontraram, mas certamente a parte menos assustadora era o local estar infestado de dementadores.”

Muitos, aqui no mundo dos trouxas, acreditariam que esse tratamento configura tortura e violação aos direitos humanos.

Paralelamente, o sistema de justiça do mundo bruxo não parece ser dos mais confiáveis. Em Harry Potter e a Ordem da Fênix, vemos o Ministro da Magia tomando medidas para contrariar e conter os rumores da volta do Lorde das Trevas, a fim de garantir a segurança de seu mandato e do cenário político, colocando assim toda a comunidade bruxa em risco. No início do livro, quando Harry é “processado” por praticar magia em frente a um trouxa (seu primo, quando foi defendê-lo de dementadores), o processo pareceu ligeiramente corrompido: as declarações de Harry foram praticamente dispensadas e desacreditadas sem muita investigação, e houve a tentativa de privá-lo de defesa, mudando o horário da audiência quase sem aviso prévio. Harry só é absolvido das acusações em razão da defesa incisiva de Dumbledore. Até mesmo o nome dado aos que presidem a audiência, “Interrogators” (Interrogadores), à semelhança de “Inquisitores”, não evoca muita proteção de direitos. Os direitos civis, portanto, também sofrem ameaças no universo de Harry Potter – tal como sofrem, inequivocamente, no “mundo real”.

Imprensa: parcialidade e manipulação

O mundo bruxo possui apenas um jornal de grande circulação, o qual conhecemos ao longo dos livros e filmes: o ‘Profeta Diário’ (‘Daily Prophet’). Entregue aos bruxos em suas residências através de corujas, o Profeta Diário parece, em muitos casos, esquivo à imparcialidade e tendente a doses de sensacionalismo e favorecimento a figuras políticas. J.K Rowling chegou a comentar que uma dica dos interesses ocultos predominantes do jornal está no próprio nome escolhido: ‘Prophet’ seria homônimo a ‘profit’ – lucro -, à parte do trocadilho de ‘profeta’ para simbolizar a suposta presciência que seria supostamente inerente a um jornal bruxo.

Dada sua hegemonia e capacidade de influência em larga escala, o Profeta Diário acaba por se curvar intencionalmente às vontades e interesses do Ministério da Magia, como mostrado em muitas ocasiões, expondo notícias e versões que agradem a ministros e figuras de poder.

Em Harry Potter e a Ordem da Fênix, vemos o Profeta Diário atacar repetidamente Harry e Dumbledore a fim de desacreditar suas versões sobre a volta do Lorde das Trevas e proteger o Primeiro-Ministro à época, Cornelius Fudge. Mais tarde, quando o Ministério da Magia é tomado, o Profeta Diário permanece como poderoso instrumento de poder e conformação para os aliados de Voldemort: perseguições e mortes são encobertas e notícias falsas para alimentar a ideologia anti-nascidos trouxa são plantadas com furor.

Uma das principais representações da falta de ética no jornalismo do Profeta é Rita Skeeter, figura que conhecemos em Harry Potter e o Cálice de Fogo. A repórter Rita Skeeter é uma animaga – bruxa capaz de se transmutar em um animal quando e por quanto tempo quiser – e usa suas habilidades ilegalmente (visto que não é registrada pelo Ministério da Magia), transformando-se em um besouro para entrar facilmente em qualquer local e até mesmo ouvir conversas indevidas. Além disso, comprovadamente distorce entrevistas, notícias e versões, à total serviço do sensacionalismo.

Para fugir da manipulação do Profeta Diário, os bruxos têm, ainda, poucas opções de fontes de informações ao menos mais confiáveis. Uma delas é o jornal do pai de Luna, Xeno Lovegood, ‘O Pasquim’ (The Quibbler). Apesar de inicialmente conhecido por suas teorias da conspiração e histórias bizarras, O Pasquim é uma das poucas mídias alternativas que se apresentam contra a hegemonia do Profeta, tendo grande serventia principalmente durante o domínio de Voldemort, em apoio a Harry e seus seguidores e amigos. O Pasquim mostra seu poder subversivo à princípio em A Ordem da Fênix, quando Umbridge, a contento do Ministério da Magia, proíbe que os alunos o leiam. Em Harry Potter e as Relíquias da Morte, O Pasquim mostra sua importância quando Luna é capturada, a fim de obrigar Xenofílio a “comportar-se” e seguir os mandos de Voldemort.

Assim como no ‘mundo trouxa’, portanto, o uso da mídia para alienação e manipulação, à serviço da classe dominante, foi frequente.

Meio-humanos, licantropos e estigma

A saga mostra personagens meio-humanos e licantropos sofrendo preconceito e estigma na sociedade bruxa.

Como meio-humano, conhecemos Rubeus Hagrid, meio-gigante subestimado por muitos, sobretudo pelos “sangues-puros” (como em declarações de desprezo da família Malfoy).

Além disso, e principalmente, temos como licantropo o professor Lupin. Sabemos, nos livros, que Lupin escondia sua condição. Após a saga, narrando detalhes da vida de Lupin, J.K Rowling deixou claro que os lobisomens eram excluídos e mal quistos na sociedade bruxa, e por isso eles mesmos evitavam contato com outras pessoas – se retraindo, escondendo a condição e fugindo em tempos de transformação. Rowling revelou que a condição de Lupin foi uma metáfora para doenças que carregam um grande estigma, como a AIDS.

A saga ainda demonstra haver no mundo mágico certo estigma quanto a Transtornos Mentais. O que é exemplificado com a história de Ariana, irmã mais nova de Dumbledore, que, após um ataque sofrido por trouxas, apresentou sintomas de transtornos psicológicos, cujas crises resultavam em irrupções incontroláveis de magia. Em vez de recorrer a ajuda, a solução para o caso de Ariana foi confiná-la em casa, escondida dos demais, sem nenhum tratamento adequado – o que resultou em uma grande tragédia familiar.

Maus tratos a crianças e adolescentes

 

Harry Potter traz diversos casos de maus tratos e violações aos direitos de crianças e adolescentes – no mundo trouxa e no mundo bruxo. No mundo trouxa, acompanhamos ao longo da saga a forma cruel com que Harry era tratado por seus tios, seus guardiões depois do assassinato de seus pais. Harry sofria bullying dos tios e era submetido a péssimas condições.

No mundo bruxo, temos a figura de Dolores Umbridge, responsável por imprimir castigos físicos e impor regras injustas que chegavam a atentar contra a liberdade de expressão dos alunos. Ou seja, chegou-se a ter maus tratos e abuso de adolescentes institucionalmente, com crivo e aprovação do Ministério da Magia.
De volta à realidade, algumas escolas ao redor do mundo ainda imprimem arcaicamente a punição corporal como forma de “disciplinar” alunos, chegando a usar violentos instrumentos como a palmatória. Os maus tratos familiares a crianças e adolescentes ainda são, também, notoriamente recorrentes.

As maldições imperdoáveis; sexualidade; questões raciais e de gênero

Por outro lado, torna-se interessante analisar avanços que o mundo bruxo parece fazer em questões de direitos.

Os bruxos parecem conseguir estabelecer alguns limites para o mau uso de magia a fim de estabelecer uma convivência harmoniosa, provando também que o Ministério da Magia, apesar dos supracitados defeitos, conseguiu proteger direitos humanos em alguma escala. A exemplo, as chamadas “Maldições Imperdoáveis”, proibidas de serem aplicadas em bruxos e trouxas, sob pena de confinamento em Azkaban. As maldições são: Avada Kedavra, capaz de matar a pessoa a quem se direciona (atentando contra o direito à vida), Cruciatus, usada para torturar as vítimas (vedação da tortura, dignidade da pessoa humana) e Imperius, que permite que a vítima seja completamente controlada e submetida às vontades de quem a defere (direito à liberdade, segurança, etc).

Em relação a outras formas de discriminação, comuns ao mundo dos trouxas, o universo de Harry Potter parece aspirar uma comunidade unida, sem diferenciações raciais, nacionais, religiosas, sexuais ou de gênero.

Em relação à sexualidade, não foram levantadas questões sobre discriminação por orientação sexual no universo de Harry Potter. Mas, infelizmente, a saga não apresenta nenhum personagem abertamente LGBT (em uma escola com centenas de alunos). Foi uma declaração de J.K Rowling, no entanto, que despertou o assunto: para ela, Dumbledore foi concebido como gay.

Apesar da sexualidade de Dumbledore não ter sido mencionada abertamente nos livros, em Harry Potter e as Relíquias da Morte nos é apresentado o personagem Grindelwald, um bruxo com quem Dumbledore se correspondia com frequência em sua adolescência e parecia nutrir especial consideração, até sua suposta amizade terminar em um trágico duelo. De qualquer forma, a declaração, mesmo posterior, da orientação do Professor, um dos bruxos mais poderosos e influentes que já existiram no mundo retratado, possui sua relevância.

Interessantemente, J.K Rowling, interagindo com fãs da saga no twitter, levantou reflexões acerca do latente conservadorismo das instituições oficiais do mundo bruxo e da sociedade bruxa em geral. Exemplificando, quando perguntada se haveriam aulas de “educação sexual” em Hogwarts, a autora respondeu que os bruxos ainda tendiam a ser um pouco conservadores em relação a “tais coisas”, fazendo com que os adolescentes acabassem “se descobrindo sozinhos”. Pode ter sido essa uma das razões para não termos visto declarações abertas de Dumbledore sobre sua sexualidade.

Por fim, é importante reconhecer a questão de gênero em Harry Potter. As mulheres ocupam papéis centrais: são figuras políticas, astros nos esportes e grandes bruxas. No Quadribol, esporte que depende principalmente da magia, em Hogwarts as equipes são mistas – como parecem ser as equipes que competem fora da escola, existindo inclusive uma famosa equipe composta unicamente por mulheres, à qual, segundo J.K, Gina Weasley depois integra (Holyhead Harpies). O Torneio Tribruxo, grande campeonato entre as Escolas de Magia, também é misto. No mais, as expectativas mágicas entre bruxos e bruxas parecem ser as mesmas; ambos os gêneros são valorizados e considerados igualmente, sem distinções. Hermione, por diversos professores, é considerada uma das melhores bruxas de seu tempo, e preferida em relação à maioria dos alunos, aparentemente (meninos e meninas).

Não há dúvidas de que Harry Potter proporcionou grandes e inesquecíveis personagens femininas fortes, cada uma à sua maneira, até mesmo ofuscando o protagonista, que muitas vezes teve sua vida salva por conta do brilhantismo e audácia de Hermione – além de, primeiramente, ter sido salvo quando bebê por conta do sacrifício e coragem de sua mãe.

Vemos também importantes personagens expressamente negros, como Kingsley Shacklebolt e alunos de Hogwarts presentes em toda a saga, à exemplo de Angelina Johnson, Lee Jordan e Dean Thomas. Ainda que possamos considerar que a proporção de alunos e alunas negros em uma escola como Hogwarts provavelmente foge ao ideal (ou real), os personagens servem para exemplificar a pretensa noção de comunidade do mundo bruxo, aparentemente isento de discriminações de gênero e raciais. No mais, J.K Rowling deixou claro que o rol de personagens negros é ampliativo; há a natural possibilidade de outros personagens, cujas características não foram expressamente descritas, serem negros. Afirmação que se comprova com a escolha da atriz a interpretar Hermione, a inglesa Noma Dumezweni, na futura peça Harry Potter and the Cursed Child, baseada nas histórias originais. A escolha de uma atriz negra para interpretar Hermione fortifica a representatividade e a força feminina na saga, e quebra a falsa presunção de que um personagem sem descrição de cor de pele é “provavelmente branca”.

A saga traz importantes lições sobre a importância da amizade e da família; da coragem e da força da união e do trabalho conjunto. Mas, além disso, é capaz de trazer, enredadas em fantasia, fagulhas de reflexão sobre questões reais. A saga Harry Potter, portanto, analisada com certa atenção, pode suscitar – além do divertimento, do encanto e do amor de muitos – relevantes debates.






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