“Quando a criança estiver dando muito trabalho, não pense que apenas ela é o problema. Concentre-se no seu relacionamento com ela. É aí que você encontrará a sua resposta. A base da criação dos filhos é como os pais se relacionam com eles. Se os filhos fossem plantas, a relação pais e filhos seria o solo que sustenta, nutre, permite o crescimento – ou o inibe. O clichê é verdade: as crianças não fazem o que falamos; fazem o que fazemos”, é o que diz a psicoterapeuta britânica Philippa Perry em seu best-seller: “O Livro que Você Gostaria que Seus Pais Tivessem Lido”.

Philippa Perry propõe uma abordagem relacional e emocionalmente consciente da criação dos filhos. Em entrevista recente à Forbes Brasil,ela afirmou que o maior erro dos pais é “tratar os filhos como um projeto, e não como uma relação”. Esse ponto é central em sua obra: o que define a qualidade da parentalidade não são as técnicas educativas ou os modelos perfeitos, mas a forma como os pais se relacionam com os sentimentos dos filhos e com os seus próprios sentimentos.

Segundo Perry, pais que não reconhecem ou não trabalharam suas próprias dores emocionais tendem a reagir de forma impulsiva ou distante frente às demandas afetivas das crianças. Isso perpetua ciclos intergeracionais de abandono emocional, mesmo em famílias presentes e aparentemente funcionais. Ela defende que o principal papel dos pais é oferecer segurança emocional, o que exige disponibilidade, escuta e autorreflexão.

“O clichê é verdadeiro: as crianças não fazem o que falamos; fazem o que fazemos”, afirma Perry, numa de suas citações mais marcantes. Em outras palavras, a parentalidade exige coerência entre discurso e a prática afetiva. E essa prática precisa reconhecer o valor dos erros, dos pedidos de desculpas e da vulnerabilidade como ferramentas pedagógicas e humanas.

Os Desafios de Ser Pai e Filho na Atualidade: Entre o Desejo de Acertar e a Complexidade de Relacionar-se

Vivemos um tempo especialmente desafiador para a parentalidade. As profundas mudanças socioculturais, a sobrecarga emocional cotidiana e a velocidade vertiginosa da informação têm exigido dos pais e cuidadores não apenas presença física, mas uma nova qualidade de presença emocional e relacional.

Educar filhos, hoje, não se resume a transmitir valores ou impor regras. É também – e sobretudo – um movimento interno: muitos pais desejam criar seres humanos mais íntegros, livres e emocionalmente saudáveis do que talvez eles próprios tenham tido a oportunidade de ser. No entanto, esse desejo, por mais nobre que seja, esbarra em dificuldades concretas e afetivas que merecem ser compreendidas com empatia e sem julgamentos.

5 Desafios que os Pais Enfrentam na Educação dos Filhos

1. Sobrecarga de informações e expectativas irreais
A internet está repleta de conselhos, vídeos e manuais sobre “a melhor forma de educar”. Em vez de ajudar, isso muitas vezes gera confusão, ansiedade e a sensação de inadequação. Exemplo prático: Uma mãe que segue dezenas de perfis sobre criação com apego pode se sentir culpada por ter gritado num momento de exaustão. Em vez de acolher o erro como humano, ela se julga severamente, alimentando um ciclo de culpa e autocrítica.

2. Dificuldade em lidar com as próprias emoções
Pais que não aprenderam a nomear e acolher suas emoções na infância tendem a reproduzir, sem perceber, padrões reativos, como gritos, ameaças ou silêncios punitivos.
Exemplo prático: Um pai que teve pais muito rígidos pode, em momentos de estresse, gritar com o filho por desobedecer, mesmo acreditando que gritar “não resolve”. Depois, sente vergonha, mas não sabe como reparar com afeto e responsabilidade.

3. Falta de tempo e presença emocional plena
As jornadas de trabalho exaustivas, somadas às preocupações financeiras e domésticas, diminuem a disponibilidade para escutar e observar os filhos com verdadeira atenção.
Exemplo prático: Uma criança tenta contar algo que aconteceu na escola enquanto a mãe responde e-mails no celular. Ela diz “hum-hum” sem escutar de fato. A criança percebe a ausência e, com o tempo, pode deixar de buscar essa escuta.

4. Conflito entre autoridade e afeto
Com medo de traumatizar os filhos, muitos pais hesitam em colocar limites. Outros, ao tentarem exercer autoridade, escorregam para posturas controladoras.
Exemplo prático: Um casal evita dizer “não” com firmeza ao filho para não ser “autoritário”, mas isso gera insegurança na criança, que precisa de referências claras. Ou, ao contrário, aplicam castigos severos sem conversa, o que gera medo, não aprendizado.

5. Desconexão com a própria infância
Muitos pais se esquecem de como é ser criança: o medo do escuro, a dificuldade em esperar, a necessidade de brincar. Essa desconexão dificulta a empatia e a comunicação.
Exemplo prático: Quando o filho faz birra no supermercado, o pai se irrita e o acusa de “manipulador”, sem perceber que ele próprio chorava por um brinquedo na mesma idade.

5 Desafios que os Filhos Enfrentam ao Crescer Nesse Mesmo Cenário

Se para os pais há exigências emocionais crescentes, para as crianças e adolescentes, os desafios também são intensos. Crescer num ambiente de alta estimulação, mas nem sempre de escuta emocional, pode impactar profundamente o desenvolvimento da saúde psíquica.

1. Excesso de estimulação e carência de presença emocional
Brinquedos, telas, cursos e agendas lotadas não substituem o olhar atento e o vínculo afetivo. Exemplo prático: Uma criança de 5 anos que tem acesso a diversos aplicativos e brinquedos sofisticados pode, ainda assim, sentir-se só e insegura por não ter com quem compartilhar suas emoções.

2. Cobrança precoce por desempenho
Muitas crianças são tratadas como pequenos adultos, pressionadas a ter bom comportamento, boas notas, habilidades sociais e desempenho esportivo. Exemplo prático: Uma menina de 8 anos começa a apresentar dor de barriga antes de provas e atividades escolares, um sintoma físico de ansiedade por pressão de excelência.

3. Dificuldade de lidar com frustração e tédio
A gratificação imediata promovida pelas telas e pelo consumo reduz a tolerância à espera, à perda e ao vazio criativo. Exemplo prático: Um menino que ganha um presente novo toda semana pode reagir com explosões emocionais ao ouvir “hoje, não” – não por birra, mas por imaturidade emocional.

4. Isolamento emocional em ambientes hiperconectados
Apesar de estarem conectadas a muitas telas, muitas crianças se sentem sozinhas dentro de casa, pela falta de diálogo afetivo. Exemplo prático: Uma adolescente que passa horas no celular pode estar tentando preencher a ausência de conversas verdadeiras com os pais sobre suas dores e inseguranças.

5. Sintomas emocionais como ansiedade, agressividade ou apatia
O corpo e o comportamento das crianças falam aquilo que muitas vezes elas não conseguem verbalizar. Exemplo prático: Um menino de 7 anos começa a se isolar, chorar com frequência ou ter acessos de raiva desproporcionais. São sinais de um sofrimento emocional que precisa ser escutado, e não apenas corrigido.

Como os Pais Podem Ser Ajudados a Ajudarem Seus Filhos?

Pais não precisam ser perfeitos, mas sim disponíveis para aprender, reparar e crescer junto com seus filhos. A mudança começa com o autoconhecimento e o acolhimento de sua própria história emocional. Quando os adultos se dispõem a olhar para suas dores e limitações, eles se tornam mais sensíveis e conscientes na forma de educar.

  • Buscar ajuda profissional quando necessário, como terapia individual, de casal ou familiar.
  • Estabelecer rotinas afetivas simples, como a hora do conto antes de dormir ou a refeição sem celular.
  • Aprender a pedir perdão aos filhos, ensinando que todos erram, mas também podem reparar.
  • Valorizar o tempo de qualidade, mesmo que curto, com presença real e escuta ativa.
  • Lembrar que educar é um caminho, não uma performance. A relação se constrói no cotidiano, nos gestos pequenos e na disposição para estar junto.

Reconhecer os próprios limites e buscar apoio são atitudes essenciais. A leitura de obras como a de Philippa Perry pode oferecer reflexões valiosas, mas não substitui o trabalho pessoal e, quando necessário, terapêutico. Os pais não precisam ser perfeitos, precisam ser conscientes, empáticos e responsivos.

Iniciativas como grupos de apoio, rodas de conversa e o acompanhamento psicoterapêutico são recursos que fortalecem o autocuidado parental. Pais emocionalmente mais saudáveis tendem a criar filhos mais confiantes e resilientes. A educação que transforma não é a que impõe regras, mas a que constrói relações com significado. Como diz Philippa Perry, “a base da parentalidade é a relação”. E não há relação verdadeira sem escuta, sem afeto, sem presença.

Fontes consultadas e sugeridas:

 






As publicações do Portal Raízes são selecionadas com base no conhecimento empírico social e cientifico, e nos traços definidores da cultura e do comportamento psicossocial dos diferentes povos do mundo, especialmente os de língua portuguesa. Nossa missão é, acima de tudo, despertar o interesse e a reflexão sobre a fenomenologia social humana, bem como os seus conflitos interiores e exteriores. A marca Raízes Jornalismo Cultural foi fundada em maio de 2008 pelo jornalista Doracino Naves (17/01/1949 * 27/02/2017) e a romancista Clara Dawn.