Faço alguém feliz quando descubro que ele pode ser feliz também em minha ausência. Quando o amor abdica da aura de condenação e do monopólio da felicidade do outro. As ameaças românticas sempre giram na subtração do contentamento com a distância. Se quem amamos não está conosco, será infeliz. Pois o riso do outro, sem a nossa presença, significaria que ele não nos valoriza, identificado como dispensa, alta traição, insensibilidade diante da dedicada dependência. Sentimos ciúme desproporcional, a ponto da gargalhada sem a nossa autoria doer como uma lágrima.

Não é verdade, o nosso par é capaz de ser bem feliz separado. Há o desejo perverso de que o outro se dane afastado. Mas é uma ansiedade infantil de possessividade.

Não somos a única fonte de felicidade de uma pessoa. Ela foi feliz antes de nos conhecer e será também depois. Esta noção salva casamentos, elimina restrições e chantagens, acentua o livre-arbítrio, valoriza a relação.

Não é que ela está comigo porque não consegue ser feliz longe, é que, mesmo podendo ser feliz longe, ainda é mais feliz comigo. Somos a melhor opção, não a única. Somos a companhia predileta, não a que restou.

O certo é se enxergar o destino de uma alegria, em vez de sua viciada origem. No momento em que condicionamos o bem-estar, prosperamos o pânico.  Funda-se a convivência pelo medo de perder o que se tem, jamais pela confiança de ter sido escolhido e eleito todo dia.

Não podemos sequestrar a felicidade do outro no casamento ou no namoro, como se fosse nossa, como se só dependesse de nossa proximidade, vinculando a alegria ao egoísmo dos laços. Maturidade é ser indispensável justamente por deixar a porta aberta.

(Título original “Quando o riso dói” de Fabrício Carpinejar, poeta, cronista, jornalista e professor, autor de 26 livros. Fonte)






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