Quando a minha mãe de 81 anos acorda de madrugada, sempre acredita que é alguém precisando de sua reza.

Entende como um chamado de última hora.

Em vez de o interfone tocar, as visitas são por dentro dos pressentimentos. Seus sonhos são a campainha. Recebe os pedidos durante o sono, pela atenção extrema de sua sensibilidade.

Ela sai do quentinho das cobertas, levanta da sua cama – a preguiça prejudica o pensamento positivo -, busca o seu terço marrom que está no galho da trepadeira Lágrima de Cristo (inventou que ali é o melhor lugar para guardá-lo) e vai para a cadeira de balanço perto da janela, onde amamentou os seus quatro filhos.

Enquanto rola as pedrinhas em suas mãos, fica mirando a esquina vazia, iluminada apenas pelo clarão dos faróis de algum carro subindo a ladeira.

Não desperdiça a sua insônia, aproveita o tempo e a quietude do apartamento para se concentrar. Pode levar trinta minutos ou uma hora, dependendo da gravidade do caso.
Às vezes, ela nem sabe para quem está rezando, mas reza com igual devoção, porque Deus, com certeza, sabe.

Ela não gosta que diga que isso é paranormalidade, pois defende a empatia como fundamento da normalidade. Preocupar-se com quem sofre nos ensina a sair do próprio sofrimento.

Se ela não dorme direito, já sei que rezou por uma pessoa do nosso convívio. Nem reclamo mais. Cumpriu a sua boa ação antes mesmo de despertar.

Rezadeiras também fazem plantão, essas socorristas anônimas da alma.

Por Fabrício Carpinejar






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