A maternidade é uma experiência solitária e dolorida em alguns casos. É a mãe quem tem que gerar por 9 meses a criança, caso seja uma mulher sis gênero; é a mãe quem amamenta, leva às consultas do pediatra, observa a introdução alimentar e exerce a maioria das funções relacionadas a essa vida. Tudo isso 24h por dia, 7 dias por semana. Sem remuneração, sem férias, sem pedidos de desculpa da natureza por ter tido seu corpo tão modificado.
E, enquanto isso, pais seguem sendo livres para cumprirem ou não suas responsabilidades na vida da prole. No último final de semana, o ator Luís Navarro que interpreta Mark em Todas as Flores, produção Globo Play, publicou em seu Instagram um desabafo. No texto o artista comenta que não se lembra de qual foi a última vez em que esteve sozinho para refletir sobre a vida ou que conseguiu ler um livro:
“Eu me encontro confuso com a vida e TOMEI A DECISÃO de reencontrar a minha ESSÊNCIA e pra isso precisei dar UM TEMPO NO RELACIONAMENTO. Não lembro a última vez que fiquei sozinho pra refletir, que li um livro ou que me olhei no espelho e me orgulhasse de mim. Preciso me reconectar comigo para poder VOLTAR MAIS FORTE, e talvez seja tarde, mas tudo bem… Deus sabe de todas as coisas. Esse ciclo de 7 anos que estou com a Ivi foram os melhores anos da minha vida, aprendi a ser homem e a levar a vida com responsabilidade e finalmente tive um propósito!. Ser pai, marido, artista e ser um dos alicerces de uma família preta não é pra poucos, meu espírito sucumbiu, enfraqueceu e peço perdão pra todas as pessoas que desapontei…” explicou o ator em trecho de postagem que foi excluída.
Luís, que fez a publicação para anunciar o fim do casamento de 7 anos com a bailarina e atriz Ivi Pizzott, é pai de Kali de 4 anos e de Zuri de 4 meses. O artista excluiu a postagem após ser duramente criticado por muitos de seus seguidores. A reflexão paira sobre: se de um lado ele não se sente bem e precisou até dar um tempo na relação para se reencontrar consigo, por outro, o que aconteceria se fosse o contrário? E se Ivi, a mãe, resolvesse “dar um tempo” em suas obrigações como mãe para reencontrar a si mesma?
Dias atrás muitos internautas debateram sobre o término do casamento do também ator Fábio Pochart com a produtora de cinema Nataly Mega, por ele não querer ter filhos e ela sim. Ainda que sejam situações diferentes, é impossível não pensar que ser pai numa sociedade machista, é muito mais fácil que ser mãe. Enquanto um separa-se por não querer colocar mais um ser-humano no mundo, outro retira-se de cena porque não lembra a última vez que conseguiu olhar-se no espelho.
A carga mental de todo e qualquer indivíduo deve ser acolhida e respeitada, independentemente do que aconteceu para que a pessoa chegasse a esse ponto. Mas, até quando recairá sobre as mulheres a responsabilidade de “ter que dar conta” do recado, por que a outra parte tem “autorização” para não dar? Nunca é demais lembrar que segundo dados do IBGE, 11 milhões de lares brasileiros são chefiados por mulheres. Mulheres que certamente também não se lembram qual foi a última vez que leram um livro, que tiraram tempo para o autocuidado integral ou simplesmente para estarem a sós num dia qualquer.
Texto de Juliana Santelli, jornalista, jovem, negra, PCD. Colunista do Portal Raízes, ouvinte de podcast nas horas vagas, leitora do que chama a sua atenção. Autora do livro: “Entre Vistas” sobre a maternidade solo na sociedade brasileira pós-moderna (prelo).