Cientistas da Universidade de Kioto, no Japão, encontraram uma resposta neurológica para o que seria a felicidade. Usando um aparelho de ressonância magnética, eles identificaram as regiões do cérebro ativadas em situações felizes. De acordo com o estudo, o sentimento é uma combinação de emoções felizes com a satisfação na vida que nascem no precuneus, uma região no lóbulo parietal.

Os pesquisadores identificaram que as pessoas sentem a emoção de formas diferentes. Umas, ficam mais felizes do que outros quando recebem elogios, por exemplo. Psicólogos descobriram que fatores emocionais contribuem significativamente para a produção, ou não, da serotonina – o hormônio da felicidade – no cérebro, propiciando assim experiências subjetivas de um “ser feliz’ ou de um estado de felicidade. E existem maneiras naturais de aumentar a serotonina.

Mas deixaremos os estudos eméritos sobre o que é a felicidade para outra hora, hoje discorremos mesmo, sobre os inimigos dela. Ou seja, o que nos impede de sermos felizes no dia-a-dia. São 10 os inimigos da nossa felicidade. Confira:

1 – As surpresas do dia a dia

Os atropelos, as consequências de uma má escolha, um desvio de conduta… Lembre-se de que não somos inocentes. Não choramos sem merecer. Tudo, de um jeito ou de outro, é consequência de nossas escolhas. Não somos melhor do que ninguém pra ter o privilégio da não desgraça, tampouco pior ao ponto de não vivenciarmos a benevolência dos instantes de felicidade. Sejamos gratos por tudo que nos acontece: de bom e de ruim. O primeiro porque plantamos boas sementes e o segundo, por que ‘não comigo? Quando eu publiquei esta reflexão em minha página no Facebook, alguém in box, perguntou-me se o suicídio do meu filho fora uma escolha minha. Se eu merecia chorar por sua morte até os fins dos meus dias. Eu respondi: eu escolhi ter filhos e as tragédias também acontecem com nossos filhos. Logo, o meu sofrimento por vê-lo sofrer, por vê-lo morrer de modo terrível, são consequências da minha escolha de ser mãe.  Por que não com ele? Por que não comigo?  – O que se pode aprender com essa coisa chamada ‘destino’ que nos atropela enquanto seguimos rumo á felicidade? Que “a dor é inevitável, o sofrimento não”. 

2 – Delusão

Em sânscrito, delusão é avidya, cegueira, ignorância. A função do Avidya é suprimir a natureza real das coisas e apresentar algo diferente em seu lugar. Delusão é quando não percebemos a unidade fundamental de tudo e, portanto, vemos a realidade como se fosse um sujeito (“eu”), cercado de objetos e os “outros”; Isso pode significar que não percebemos que tudo está intimamente inter-relacionado e que uma circunstância nos leva ao seu oposto (prazer e dor, bom e ruim, etc.); Isso pode significar que, concentrando a mente nos detalhes, perdemos a visão abrangente A delusão engana a experiência e impede qualquer outro raciocínio. Este fator mental torna nossa mente agitada e fora de controle devido a essa atenção imprópria. Existem três delusões principais: ignorância, apego e aversão. Delas surgem todas as demais: medo, inveja, orgulho e arrogância e autocentramento. É cada um deles entra na lista de inimigos da nossa felicidade.

3 – A ignorância

Dizem que a ignorância é um privilégio. E talvez seja mesmo. Porque estar ciente das injustiças e não fazer ao menos um manifesto de indignação, é covardia social, nesse caso, melhor não sabe-las (?) – O ponto não é esse. Não se trata desse tipo de ignorância do “não saber”, mas do fato de ignorar o que se deve ser apreendido com as experiências do dia a dia.  Esta ignorância não se deve à falta de erudição ou inteligência; é ignorância sobre a natureza do ser. Todos já ouviram o ditado: água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. Mas é bem verdade que há pessoas que nem mesmo o sofrimento, as dores, as perdas, o abandono e a solidão, fazem-nas compreender a necessária transformação de pensamento, de conduta, de observar, de se autoconhecer, de receptar.

4 – O apego 

Muitas pessoas pensam que a ideia de desprendimento, desapego, ou não- apego é muito fria. Isso é porque elas confundem apego com amor. Mas o apego não é amor verdadeiro, apego é só amor à si mesmo.  O Buda começou a ensinar exatamente a partir de onde estamos. Ele disse, “A vida do jeito que levamos não é satisfatória. Há uma falta interior, um vazio interior , um sentimento interior de falta de sentido que não se pode preencher com coisas ou pessoas. Qual é a causa desta instabilidade inerente, neste sentido inerente de insatisfação que nos corrói?”.

A razão essencial para essa doença dentro de nós é o nosso apego, nossa mente cheia de desejos que são baseados em nossa ignorância essencial. Ignorância do que ? Basicamente, a ignorância de compreender a forma como as coisas realmente são. Que pode ser explorada em muitos níveis, mas vamos lidar com isso em primeiro lugar do ponto de vista de que não nós não reconhecemos a impermanência, e nós também não reconhecemos a nossa verdadeira natureza. Portanto, estamos sempre agarrando algo externo.

Nós não percebemos nossa interconexão interior, e nos identificamos sempre com esse sentimento do eu e do outro. Ninguém nos prende com correntes a esta roda. Nós nos agarramos a isso, nós é que seguramos com todas as nossas forças. O caminho para sair da roda é apenas deixar ir. Você entende? Essa apreensão, essa mente apegada é a causa do nosso sofrimento, mas estamos muito enganados, porque pensamos que a nossa ganância e nossos desejos e os nossos apegos apontam para as fontes de felicidade. Por mais que neguemos, nós realmente acreditamos que de alguma forma ou de outra, se todos os nossos desejos forem realizados, teremos uma grande felicidade. Mas o fato é que nossos desejos nunca podem ser todos realizados. Desejos são infinitos. O Buda disse que era como beber água salgada , que acabamos de obter mais e mais sede.
“O apego é o oposto do amor.
O apego diz: ‘Eu quero que você me faça feliz.
O amor diz: ‘Eu quero que você seja feliz.”
Jetsunma Tenzin Palmo

5 – A aversão

Não damos conta que, se temos tendência à aversão e à agressão, os inimigos começam a aparecer por todos os lados. Encontramos cada vez menos coisas para gostar nos outros e cada vez mais coisas para odiar. As pessoas começam a nos evitar e ficamos mais isolados e solitários. Às vezes, enfurecidos, cuspimos palavras ásperas e ofensivas. Os tibetanos têm um ditado: “As palavras podem não carregar armas, mas ferem o coração”. Nossas palavras pode ser extremamente danosas, tanto pelo mal que causam aos outros quanto pela raiva que despertam.

Com freqüência, estabelece-se um ciclo: uma pessoa sente aversão por outra e diz alguma coisa que a fere; a outra pessoa reage, dizendo algo fora do esquadro. As duas começam a pôr lenha na fogueira uma da outra, até que estejam travando uma batalha de palavras iradas. Sem dúvida, isso pode ser transposto para o nível nacional e internacional, onde grupos de pessoas se envolvem em agressão contra outros grupos e nações são jogadas contra nações.Quando você deixa a aversão e a raiva tomarem conta de você, é como se, tendo decidido matar uma pessoa jogando-a em um rio, você se agarrasse ao pescoço dela, pulasse na água e os dois morressem afogados. Ao destruir seu inimigo, você também se destrói. É muito melhor dissipar a raiva antes que ela possa conduzir a um conflito maior, respondendo a ela com a paciência. Compreender a responsabilidade que temos por aquilo que nos acontece ajuda a fazer isso.

Tratamos nossa ligação com alguém que percebemos como um inimigo como se saída do nada. Mas, em alguma existência passada, talvez tenhamos usado palavras duras com aquela pessoa, maltratando-a fisicamente ou abrigando pensamentos raivosos em relação a ela. Em vez de procurarmos os defeitos dos outros, dirigindo nossa raiva e aversão contra situações que pensamos estar no ameaçando, deveríamos lidar com o verdadeiro inimigo. Esse inimigo, que destrói nossa felicidade a curto prazo e nos impede, em uma perspectiva mais longa, de alcançar a iluminação é a nossa própria raiva e aversão. Se a vencermos, não haverá mais brigas, pois deixaremos de perceber como inimigos os nossos oponentes – um grande retorno por pouco esforço. Tanto nós quanto eles teremos cada vez menos probabilidades de reincidir em situações que possam levar a um conflito. Todos saem ganhando.

6 – O medo

Pensamos que, para sermos mais felizes, devemos afastar ou ignorar o nosso medo. Não nos sentimos à vontade quando pensamos nas coisas que nos assustam, então negamos nosso medo. “Oh, não, não quero pensar nisso.” Tentamos ignorar o nosso medo, mas ele ainda está presente. Podemos pensar que se ignorarmos nossos medos, eles vão embora. Mas se nós enterramos preocupações e ansiedades em nossa consciência, elas continuam a nos afetar e a nos trazer mais tristeza. Temos muito medo de ficar sem poder. Mas nós temos o poder de olhar profundamente para os nossos medos, e então o medo não poderá nos controlar. Podemos transformar o nosso medo. A prática de viver plenamente o momento presente — o que chamamos de meditação da atenção plena — pode nos dar a coragem para enfrentar nossos medos e não sermos empurrados e puxados por eles. Ser consciente significa olhar profundamente, para tocar a nossa verdadeira natureza e reconhecer que nada está perdido.

7 – A inveja

Há é claro, diversos graus de inveja e ciúme, uma vasta gama que vai de uma leve inveja à fúria cega e destrutiva. Existe a inveja branda, cotidiana, que se destila em pensamentos semiconscientes e emerge em comentários depreciativos. É uma inveja que se traduz em uma leve maldade contra um colega que vai melhor do que nós, ou em cáusticas reflexões sobre um amigo para quem a sorte sempre parece sorrir. A essa inveja leve se opõe a obsessão sempre repetitiva, que explode às vezes em um acesso de fúria incontrolável, quando ocorre uma infidelidade, ou um rival recebe uma distinção que esperávamos para nós. A inveja e o ciúme derivam da incapacidade fundamental de se regozijar com a felicidade ou o sucesso do outro. O homem ciumento ensaia a injúria em sua mente, esfregando sal na ferida muitas e muitas vezes, fazendo com que seja impossível ser feliz naquele momento. Uma pessoa que está em paz pode compartilhar a sua felicidade, mas não encontra utilidade alguma no ciúme. Útil será gerar empatia e amor altruísta por todas as pessoas, inclusive os nossos rivais. Esse antídoto curará a ferida e a seu tempo a inveja e o ciúme desaparecerão, como um sonho ruim.

8 – O orgulho

De todas as emoções negativas, o orgulho e a inveja são as mais difíceis de identificar. Por isso, examine sua mente com cuidado. Qualquer sensação de que existe algo minimamente especial em relação às suas qualidades, sejam elas mundanas ou espirituais, o cegará para as suas próprias falhas e não o deixará perceber as qualidades dos outros. Portanto, renuncie ao orgulho e sempre adote uma posição inferior. O orgulho se mostra sempre arrogante, sempre tagarela, fazendo que seja impossível ouvir os outros. O orgulho nos faz crer que seja impossível ouvir os outros. O orgulho nos faz crer que somos os sabichões, os inteligentes, os maiorais. Ele nos encerra em nós mesmos a tal ponto que perdemos a chance de receber. Porém, com humildade, você ouve e aceita o que quer saber e o que as pessoas dizem, conseguindo então evoluir muito mais rápido que os orgulhosos.

9 – A arrogância

A arrogância surge da ideia básica instalada de nossa mente desde o nascimento de nós somos ‘diferentes’, únicos, especiais. Ela aparece em todo momento quando tratamos nossos empregados como inferiores, nossos filhos como incapazes, nossos companheiros como tolos.  Acima da capacidade intelectual e profissional, está a capacidade de reconhecer que nenhuma verdade é absoluta. Ter a humildade em admitir o próprio erro, mesmo que isto represente situação adversa, é digno e nos aproxima das outras pessoas. O segredo do sucesso, começa por ser querido pelas pessoas. A chance de se obter sucesso é inversamente proporcional ao número de inimigos que você cria. Ter autoconfiança, sim. Ser arrogante, jamais. Os arrogantes colecionam fracassos, mas todos sempre são justificados e cada justificativa incabível, gera outro fracasso e o ciclo nunca é interrompido.

10 – O autocentramento 

O autocentramento é essa praga que nos faz ignorar o outro e suas infinitas possibilidades. Quando nos concedemos o direito de criticar supostas falhas alheias, condenar seus comportamentos, julgar o que deveriam ou não estar fazendo, posso diagnosticar com alguma certeza que estamos vivendo um surto de autocentramento. O autocentramento que me ataca é uma fixação exagerada na minha própria paisagem, aliada a diferentes graus de indisposição de incluir o outro. E ainda saímos por aí querendo paz. Como seria possível viver uma experiência de paz? No mundo convencional, cada um está defendendo o jogo da sua identidade e na melhor das hipóteses tentando moldar o outro ao conforto do seu próprio mundo. Em algum momento os interesses vão colidir, certo? Para experimentar a paz, precisamos deslocar nossa paisagem para fora deste mundo das identidades. Sentir compaixão e amor. Ceder. Aceitar.

Em suma: é possível conviver com as surpresas e a delusão e ainda ser feliz

Precisamos compreender a eficiência desses 2 inimigos de nossa felicidade diária. O primeiro é simples. Não há como evitar as surpresas do dia a dia, mas podemos não fazer delas um “cabedal” de lamentações e desculpas, como se de repente tivéssemos o monopólio da desgraça e por isso não podemos mais seguir adiante.

De acordo com Michael Talbot, nossos sentidos não estão separados do que está “lá fora”, mas estão inter-relacionados com ele, criando de alguma forma o mundo que nos rodeia. A percepção implica uma atividade cognitiva e, portanto, não é meramente passiva 11 o que significa que “pensamos” no que vemos. O mundo, como tal, existe por causa do Avidya (ignorância do ser) ou depende dela.

O antídoto para Delusão é “sabedoria” e esta é alcançada por meio das práticas:

  • do desapego
  • da plena consciência de si mesmo
  • da paciência para consigo mesmo e para com os outros (paciência também é caridade)
  •  da meditação
  • da serenidade

Observou que a palavra “práticas” está em negrito e itálico? Pois somente é possível experienciar estados de paz interior e felicidade com estas práticas. Outrossim, viveremos sob a merce de efêmeras alegrias e prazeres vindos do hedonismo e/ou da ânsia realizada de viver emoções apenas carnais. Se a nossa prática do desapego, da consciência de nós mesmos, da paciência para conosco e para com outros, da meditação e da serenidade não diminuir o sofrimento vindo das surpresas, o apego, a arrogância, a inveja, o medo, o autocentramento, o orgulho, a aversão e, é claro, a ignorância,  não importa o quanto somos austeros e determinados, não importa quantas horas por dia nos devotamos à aprender, refletir e meditar, nossa prática espiritual é em vão.

(Artigo organizado por Clara Dawn – Contribuíram:  Jigme Wangchuck -Apego”; Thich Nhat Hanh – Medo; Buda Virtual – Aversão, Inveja, Orgulho;  Agnaldo Pila – Arrogância; Lama Padma Samten – Autocentramento)






Clara Dawn é romancista, psicopedagoga, psicanalista, pesquisadora e palestrante com o tema: "A mente na infância e adolescência numa perspectiva preventiva aos transtornos mentais e ao suicídio na adolescência". É autora de 7 livros publicados, dentre eles, o romance "O Cortador de Hóstias", obra que tem como tema principal a pedofilia. Clara Dawn inclina sua narrativa à temas de relevância social. O racismo, a discriminação, a pedofilia, os conflitos existenciais e os emocionais estão sempre enlaçados em sua peculiar verve poética. Você encontra textos de Clara Dawn em claradawn.com; portalraizes.com Seus livros não são vendidos em livrarias. Pedidos pelo email: [email protected]