Em uma de suas palestras, o psicólogo e escritor Rossandro Klinjey compartilhou uma lembrança terna e, ao mesmo tempo, provocadora sobre o cuidado com seus avós que viviam com Alzheimer. Ao contar que costumava acompanhá-los ao banco para que o avô pudesse receber sua aposentadoria e preservar sua autonomia, Rossandro narra um episódio inusitado: enquanto estavam na fila, o idoso gritou em voz alta — “Meu neto, não me roube não!”. O constrangimento foi imediato, mas o humor da situação escondia uma reflexão mais profunda sobre a dignidade e os vínculos familiares.

Com o avanço da doença, Rossandro levou os avós para morar com sua mãe. Certo dia, um parente distante perguntou ao avô se ele estava sendo bem tratado. Sem perceber que o neto podia ouvir, o idoso respondeu com ar de lamento: “Meu filho, aqui é tão ruim! Todo dia como uma mistura que não tem carne… uma papa. Durmo no relento, me botam pra dormir no meio do mato. E, no fim da tarde, aquele meu neto, com cara de bom, ainda me dá banho de mangueira!”.

A anedota se tornou cômica e constrangedora quando parentes começaram a desconfiar de maus-tratos. Rossandro explicou, com paciência, que o “mato” era na verdade o jardim de inverno do quarto do avô, e o “banho de mangueira” era dado com a ducha do banheiro, enquanto o idoso permanecia sentado em segurança. O episódio, além de curioso, revela o quão delicada é a tarefa de cuidar de quem antes cuidou de nós.

A partir dessa experiência, o psicólogo convida pais e filhos a refletirem: os filhos que estamos criando hoje teriam disposição para cuidar de nós na velhice? Trocar nossas fraldas? Comprar a almofada para o cóccix?

Rossandro sugere que a resposta está na forma como educamos. Para ele, a geração que cresceu sob valores morais e cívicos — aquela que aprendeu que o respeito aos pais era lei e dever — desenvolveu um senso mais firme de responsabilidade e resiliência. Em suas palavras, “as dificuldades da vida nos forjam competência, dignidade e respeito”.

Segundo o psicólogo, muitos pais da atualidade, movidos pelo desejo de proteger os filhos dos sofrimentos que viveram, acabaram por lhes negar experiências fundamentais de amadurecimento. “Eles dizem: ‘Meus filhos não vão passar pelo que eu passei’. Mas esquecem que se tornaram quem são justamente por aquilo que viveram”, comenta.

A reflexão de Klinjey aponta para um desafio contemporâneo: equilibrar amor e limite, afeto e autoridade. Quando os pais buscam ser “amigos” dos filhos, muitas vezes renunciam à posição simbólica que estrutura o respeito e a admiração. “O problema é que alguns pais e mães deixaram de se fazer honrar. A amizade pode vir, mas só depois de consolidado o lugar de pai e mãe”, reforça.

O recado é simples e profundo: educar é preparar o outro para a vida — e não poupá-lo dela. O cuidado, quando vem do amor e do limite, ensina reciprocidade. E talvez essa seja a semente que fará com que, um dia, nossos filhos escolham cuidar de nós com a mesma dignidade com que um dia cuidamos deles.

Reflexão a partir do vídeo “Os filhos precisam entender que a casa dos pais não é dele” (abaixo) – de Rossandro Klinjey. Rossandro Klinjey é palestrante, escritor e Psicólogo Clínico.  Autor vários de livros, sendo os mais recentes, As cinco faces do Perdão, Help: me eduque! e Eu escolho ser feliz. No programa Fátima Bernardes ele trabalha temas relacionados a comportamento, educação e família. Também é colunista da Rádio CBN.






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