O professor Leandro Karnal, no vídeo “Ler é viver”, reflete sobre a relação entre cultura, inteligência e sociabilidade. Segundo ele, pessoas simples tendem a ser mais sociáveis, enquanto aquelas que se aprofundam no conhecimento constroem visões de mundo que muitas vezes não são compartilhadas, o que pode levá-las ao isolamento.

“Ao ler livros como ‘Dom Quixote’, de Miguel de Cervantes, e ‘Lavoura Arcaica’, de Raduan Nassar, reconheci que existiam mentes extremamente privilegiadas sobre as quais eu poderia refletir, discorrer, me aprofundar — mas não igualar. Então, encontrei um nicho possível na humanidade: ser professor. Cabe ao grande intelectual — como Clarice Lispector — criar ideias. Cabe a nós, professores, ensiná-las”.

Karnal define o intelectual como alguém capaz de enxergar o mundo de forma tão singular que se torna difícil manter um convívio social comum. Ele cita Picasso, que criou o cubismo, e Van Gogh, profundamente influenciado por gravuras japonesas, como exemplos de gênios criativos cuja genialidade os afastou da convivência ordinária.

“Para me consolar quanto à minha inteligência mediana, pensei: Van Gogh se matou. Clarice Lispector, segundo sua biografia escrita por Benjamin Moser, era profundamente atormentada. Sua sensibilidade exacerbada a afastava das pessoas, pois conviver bem exige estar, em algum grau, no mesmo plano civilizacional”.

As pessoas simples, observa ele, se satisfazem com pequenas trocas cotidianas, com conversas leves e diretas. Já quem lê muito se torna mais exigente com o conteúdo e profundidade das interações sociais.

“Não é um conselho, mas uma advertência: quanto mais vocês lerem, mais exigentes ficarão com as pessoas. Enquanto alguém diz ‘Nossa, que calor!’, você estará lembrando de ‘Coração das Trevas’, de Joseph Conrad, e associando ao filme ‘Apocalypse Now’. Sua mente dará voltas e voltas… Isso te fará mais feliz? Provavelmente não”.

Por fim, Karnal lembra que a universidade e o ambiente acadêmico não são redutos de iluminação racional, mas espaços permeados pelas mesmas emoções humanas que se encontram em qualquer lugar: inveja, ressentimento, vaidade.

“Uma reunião de departamento universitário não é feita por seres elevados iluminados pela razão, mas por pessoas humanas, com as mesmas misérias emocionais de quem vende balas no mercado de Porto Alegre”.

O pensamento do professor Leandro Karnal é um alerta lúcido sobre os custos da busca pelo conhecimento profundo. A solidão intelectual não é escolha, mas consequência. Quanto mais se amplia a visão de mundo, mais rarefeitas se tornam as afinidades humanas. E o que é compreendido em camadas, raramente se compartilha com quem apenas toca a superfície.

O filósofo Schopenhauer já dizia: “A inteligência é como um relógio: quanto mais precisa, mais solitária.” Mas essa solidão não precisa ser lamento. Ela pode ser compreendida como espaço de elaboração e consciência — um lugar onde a sensibilidade deixa de ser peso e passa a ser potência.

Assista o vídeo na íntegra:






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