Todos nós, em algum momento, sentimos o coração acelerar diante de uma frustração ou de uma injustiça. Mas, para algumas pessoas, essa emoção vem como uma faísca que logo se transforma em incêndio. A chamada “síndrome do pavio curto”, ou Transtorno Explosivo Intermitente (TEI), é um quadro psiquiátrico caracterizado por episódios súbitos de raiva desproporcional, em que a pessoa perde o controle dos impulsos e reage com agressividade verbal ou física a situações muitas vezes pequenas.
Esses episódios costumam ser seguidos por arrependimento, tristeza e vergonha, como se, após a explosão, o indivíduo “caísse em si” e percebesse o quanto o comportamento foi incoerente com o que realmente sentia. Há quem descreva o momento da fúria como se a “vista escurecesse”, uma desconexão temporária entre emoção e razão, em que o corpo age antes que a consciência compreenda.
A dor que se disfarça de raiva
Por trás da explosividade, geralmente há uma história emocional marcada por rejeições, frustrações e experiências de desamparo. São pessoas que ainda não aprenderam a traduzir sua dor em palavras e, por isso, o corpo e a voz gritam antes da alma poder falar.
A raiva, nesses casos, não é o problema em si, mas o sintoma de uma ferida mais antiga que busca ser reconhecida.
O padrão costuma repetir-se: após cada explosão, vem a culpa e o isolamento. Relacionamentos se desgastam, o ambiente de trabalho se torna tenso e o indivíduo começa a sentir-se inadequado, como se vivesse num constante conflito entre arrependimento e descontrole.
O que causa o Transtorno Explosivo Intermitente?
As causas são multifatoriais. Aspectos genéticos e neuroquímicos, como baixos níveis de serotonina, podem estar envolvidos. Mas, com frequência, encontramos modelos familiares onde a agressividade foi aprendida como forma de comunicação. Crianças que cresceram vendo gritos, punições e reações violentas tendem a internalizar que é assim que se lida com o mundo.
Ou seja, a raiva é, muitas vezes, um idioma herdado, aprendido ainda na infância.
Diagnóstico: quando o descontrole passa a ser um padrão
O diagnóstico deve ser feito por um profissional de saúde mental, considerando a frequência e intensidade dos episódios, que ocorrem, em geral, duas ou mais vezes por semana, durante um período de pelo menos três meses.
Antes de fechar o diagnóstico, é preciso descartar outras condições neurológicas ou o uso de substâncias como álcool e drogas, que podem provocar reações semelhantes.
Importante lembrar: ter um ataque isolado de raiva não significa ter o transtorno. O que define o TEI é o padrão repetitivo e desproporcional de respostas impulsivas.
Caminhos de tratamento e autocompreensão
O tratamento é feito com medicação e psicoterapia. Antidepressivos e estabilizadores de humor podem ajudar a regular o impulso, mas o processo mais transformador acontece no autoconhecimento.
Na psicoterapia, o indivíduo aprende a reconhecer os gatilhos, a nomear as emoções e a encontrar novas formas de expressá-las. São utilizadas técnicas de respiração, relaxamento e treino de habilidades sociais, mas também um mergulho na história pessoal: de onde vem essa raiva? A quem ela queria atingir, de fato?
A raiva como professora da alma
A raiva, quando acolhida e compreendida, pode se tornar uma aliada. Ela mostra onde dói, o que está sendo negado e o que precisa mudar.
Aprender a lidar com a raiva não é silenciá-la, mas escutá-la antes que ela grite. É dar-lhe palavras antes que vire destruição.
No fim das contas, o que chamamos de “pavio curto” talvez seja o grito longo de uma dor antiga, pedindo espaço para ser ouvida.
E quando a escutamos com compaixão, em nós e nos outros, o fogo que antes destruía pode começar a iluminar.