As condições neurodesenvolvimentais, como o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e o Transtorno do Espectro Autista (TEA), podem persistir na vida adulta e impactar significativamente áreas importantes como a carreira e o desempenho profissional. Muitas vezes associadas à infância, esses transtornos frequentemente permanecem sem diagnóstico até a idade adulta, quando os indivíduos enfrentam desafios na organização, no foco e nas interações sociais afetivas e no trabalho. Este artigo explora como essas condições se manifestam, são diagnosticadas e tratadas em adultos e como suas particularidades podem influenciar as vivências afetivas e profissionais.
1. O que são TDAH e Autismo?
O TDAH é caracterizado por desatenção, hiperatividade e impulsividade, afetando o controle do foco e a capacidade de organização. Os sintomas variam, mas em adultos, os principais desafios envolvem a procrastinação, a falta de planejamento e dificuldades em concluir tarefas. Embora seja comumente diagnosticado na infância, muitos adultos convivem com o transtorno sem uma intervenção adequada.
O Autismo, por sua vez, é um espectro que abrange diferentes graus de dificuldades nas áreas de comunicação, comportamento e interações sociais. Adultos com autismo podem enfrentar desafios sensoriais, apresentar interesses restritos e ter dificuldades em compreender normas sociais no ambiente profissional, mesmo sendo altamente competentes em habilidades específicas.
2. Características de TDAH e Autismo no adulto
Ambas as condições podem coexistir, o que torna o diagnóstico mais complexo. O acompanhamento de um profissional é essencial para obter uma avaliação precisa e direcionar o tratamento adequado. Faremos aqui uma análise separada das características em ambas condições.
Os sintomas de TDAH em adultos podem ser diferentes dos observados em crianças. Geralmente, incluem:
- Desatenção: Dificuldade em concentrar-se em tarefas longas, esquecimentos frequentes, desorganização e dificuldade em seguir planos.
- Impulsividade: Dificuldade em esperar a vez, interromper conversas ou ações impulsivas.
- Hiperatividade interna: Em vez de hiperatividade física, os adultos podem experimentar uma sensação constante de inquietação mental. A identificação é feita através de uma análise detalhada do histórico de sintomas, que geralmente se iniciam na infância, questionários específicos e avaliação psicológica.
Autismo em adultos (TEA):
Em adultos, o autismo pode se manifestar de formas mais sutis do que na infância, especialmente em pessoas que nunca foram diagnosticadas. Alguns sinais incluem:
- Dificuldades sociais: Dificuldade em interpretar expressões faciais, manter ou compreender regras sociais, preferir interações sociais limitadas.
- Comportamentos repetitivos: Rigidez nos hábitos, apego a rotinas e resistências a mudanças.
- Interesses restritos: Envolvimento profundo em áreas específicas de interesse, com dificuldades em sair desses tópicos.
- Hipersensibilidade sensorial: Muitas pessoas no espectro autista apresentam hipersensibilidade sensorial, que pode se manifestar como uma dificuldade em processar estímulos auditivos em ambientes com sons diversos. Isso ocorre porque o cérebro pode ter dificuldades em filtrar ruídos irrelevantes e focar em sons importantes, gerando uma sobrecarga sensorial. Essa sensibilidade pode variar de pessoa para pessoa, mas é comum que indivíduos com autismo sintam-se mais afetados por ambientes ruidosos, o que pode levar à distração ou desconforto. Além do autismo, a hipersensibilidade auditiva também pode estar presente em outros transtornos neurodiversos, como o TDAH.
A avaliação envolve entrevistas clínicas, testes neuropsicológicos, relatos do histórico de vida e, em muitos casos, informações de familiares ou pessoas próximas para entender o desenvolvimento e comportamento ao longo da vida.
3. Diagnóstico de TDAH e Autismo na Vida Adulta
O diagnóstico dessas condições em adultos requer uma abordagem multidisciplinar e cuidadosa, especialmente porque muitos podem ter desenvolvido estratégias para lidar com os sintomas ou confundi-los com características de sua personalidade. O diagnóstico deverá ser feito por um especialistas na área:
- Psiquiatras – Profissionais especializados em diagnosticar e tratar transtornos mentais e neurológicos, incluindo TDAH e autismo.
- Neurologistas – Também podem realizar diagnósticos, especialmente quando há suspeita de condições neurológicas associadas.
- Psicólogos clínicos – Embora não possam prescrever medicamentos, os psicólogos realizam avaliações e diagnósticos por meio de entrevistas, questionários e testes neuropsicológicos.
A avaliação de TDAH em adultos deverá investigar, sem pressa, a história de vida e os sintomas que afetam o dia a dia do pessoa. São aplicados questionários específicos, como a Escala Adult Self-Report Scale (ASRS), além da análise de fatores que possam contribuir para a desatenção e impulsividade, como a ansiedade ou depressão. O histórico de dificuldades com organização, procrastinação e hiperatividade interna são fundamentais para o diagnóstico.
O diagnóstico de autismo em adultos envolve a análise de padrões comportamentais, especialmente relacionados às interações sociais e à sensibilidade sensorial. A entrevista clínica é aprofundada, observando como a pessoa lida com mudanças, rotinas e seus interesses específicos. Instrumentos como o *Autism-Spectrum Quotient (AQ)* ajudam a identificar traços autistas, e a participação de familiares pode fornecer insights adicionais.
4. Tratamento Combinado de TDAH e Autismo em Adultos
Quando TDAH e autismo coexistem, o tratamento precisa ser integrado, abordando tanto os sintomas de desatenção e impulsividade quanto as dificuldades sociais e sensoriais. As opções de tratamento são combinadas e adaptadas para garantir uma melhoria na qualidade de vida e no desempenho profissional.
- Tratamento Medicamentoso: Medicamentos estimulantes, como metilfenidato, são frequentemente prescritos para TDAH, enquanto antidepressivos ou ansiolíticos podem ser indicados para tratar comorbidades como ansiedade e depressão, que são comuns em ambos os transtornos. No caso do autismo, o tratamento medicamentoso pode ser usado para gerenciar a sobrecarga sensorial e a irritabilidade.
- Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC): A TCC é amplamente utilizada para tratar tanto o TDAH quanto o autismo. Para o TDAH, a TCC auxilia no desenvolvimento de estratégias de organização, gerenciamento do tempo e controle de impulsos. No autismo, a TCC pode ser adaptada para trabalhar habilidades sociais e ajudar a pessoa a lidar com a sobrecarga sensorial e comportamentos repetitivos.
- Treinamento de Habilidades Sociais: Indivíduos com autismo, e também com TDAH, podem se beneficiar de um treinamento focado no desenvolvimento de habilidades sociais, especialmente no contexto profissional. Aprender a interpretar normas sociais, ajustar comportamentos e entender os sinais não verbais ajuda a melhorar as interações no ambiente de trabalho.
- Coaching Profissional e Apoio no Trabalho: O coaching especializado em ferramentas para TDAH e Autismo pode ser um suporte poderoso para ajudar a pessoa a se organizar melhor, melhorar a produtividade e aprender a lidar com os desafios diários no trabalho. A criação de rotinas estruturadas e a adaptação do ambiente de trabalho (por exemplo, com o uso de fones de ouvido para bloquear ruídos) são estratégias eficazes para ambos os transtornos.
5. Impacto no Crescimento Profissional
Pessoas com TDAH e autismo muitas vezes enfrentam desafios específicos no ambiente de trabalho, que podem prejudicar seu crescimento profissional, mesmo que as relações pessoais sejam menos impactadas. Entre as dificuldades mais comuns estão:
- Dificuldade em manter o foco em tarefas prolongadas (TDAH)
- Sobrecarga sensorial em ambientes com muito estímulo (autismo)
- Dificuldade em gerenciar o tempo e organizar prioridades (TDAH)
- Desafios em interações sociais e entendimento de normas não explícitas (autismo)
Ao receber tratamento adequado, os indivíduos podem desenvolver estratégias que lhes permitam não apenas melhorar o desempenho profissional, mas também explorar seus pontos fortes, como criatividade, pensamento analítico ou atenção a detalhes, características comuns em ambos os transtornos.
6. A importância do diagnóstico na vida adulta
Buscar o diagnóstico de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e Transtorno do Espectro Autista (TEA) na vida adulta pode ser fundamental para a qualidade de vida por várias razões:
- Compreensão e Autoconhecimento: Um diagnóstico correto permite ao indivíduo entender melhor os desafios que enfrenta no dia a dia, como dificuldade de concentração, impulsividade ou problemas sociais. Isso oferece uma oportunidade de reavaliar experiências passadas com uma nova perspectiva e eliminar a sensação de inadequação ou culpa.
- Tratamento e Intervenção Adequada: Mesmo na vida adulta, existem intervenções eficazes para TDAH e TEA. O tratamento pode incluir terapia, medicação, coaching para gestão de tempo e organização, ou abordagens comportamentais que ajudam a reduzir os sintomas e melhorar a funcionalidade.
- Melhoria na Qualidade de Vida: Pessoas que convivem com sintomas não diagnosticados podem sofrer de ansiedade, depressão e baixa autoestima, já que enfrentam desafios sem saber a causa. Um diagnóstico tardio pode abrir portas para melhorar a gestão desses sintomas e, consequentemente, a qualidade de vida, ajudando a pessoa a se ajustar melhor em casa, no trabalho e em relacionamentos.
- Desenvolvimento de Estratégias Personalizadas: Saber que se tem TDAH ou TEA permite que se desenvolvam estratégias personalizadas para lidar com as dificuldades do cotidiano. Isso inclui aprender a gerenciar o tempo, melhorar as interações sociais e descobrir formas mais eficazes de trabalhar e estudar.
- Redução do Estigma: Receber um diagnóstico pode ajudar a reduzir o estigma que muitas pessoas internalizam ao se sentirem diferentes dos outros. Além disso, pode ser uma oportunidade de educar os outros ao redor, promovendo uma melhor compreensão e aceitação de suas necessidades específicas.
- Apoio Social e Legal: O diagnóstico formal pode facilitar o acesso a recursos e direitos legais, como acomodações no local de trabalho ou na educação, e a inclusão em grupos de apoio que entendem as peculiaridades de cada transtorno.
Assim, o diagnóstico na vida adulta oferece a oportunidade de buscar tratamentos e estratégias para lidar com os sintomas, melhorar a qualidade de vida e permitir que a pessoa se compreenda de forma mais profunda.
7.Como o TDAH e o autismo na vida adulta pode afetar as relações sociais e afetivas
É importante que tanto as pessoas com TDAH e TEA quanto seus amigos e parceiros compreendam as particularidades de cada transtorno. Com apoio, compreensão e estratégias adequadas, é possível desenvolver relações sociais e afetivas saudáveis e satisfatórias. O acesso a terapias e grupos de apoio também pode ser extremamente benéfico para facilitar a comunicação e a compreensão mútua. Vejamos aqui como o TDAH e o Autismo podem impactar significativamente as relações sociais e afetivas na vida adulta e como lidar com isso:
Habilidades de Comunicação
- TDAH: Indivíduos com TDAH podem ter dificuldade em manter o foco em conversas, o que pode levar a interrupções e a uma comunicação menos eficaz. Isso pode fazer com que os outros se sintam desvalorizados ou frustrados.
- TEA: Muitas pessoas no espectro autista podem ter dificuldades em interpretar sinais sociais, como expressões faciais e tom de voz, o que pode complicar a comunicação e a construção de relacionamentos.
Empatia e Conexão Emocional
- TDAH: A impulsividade pode levar a reações emocionais intensas, tornando desafiador para o indivíduo lidar com conflitos ou entender a perspectiva dos outros.
- TEA: A dificuldade em compreender as emoções dos outros pode resultar em mal-entendidos e dificuldades para estabelecer conexões emocionais profundas.
Interação Social
- TDAH: A desorganização e a distração podem dificultar o planejamento e a participação em atividades sociais, levando ao isolamento ou à exclusão.
- TEA: A preferência por rotinas e ambientes familiares pode fazer com que indivíduos com TEA evitem situações sociais, o que pode limitar suas oportunidades de interação.
Manutenção de Relacionamentos
- TDAH: A inconsciência em compromissos e promessas pode criar tensões e desconfiança em relacionamentos afetivos.
- TEA: A dificuldade em entender e expressar sentimentos pode levar a mal-entendidos e insatisfação nos relacionamentos, dificultando a intimidade emocional.
Percepções e Estigmas
Ambos os Transtornos: Indivíduos com TDAH ou TEA podem enfrentar preconceitos e estigmas sociais, o que pode afetar sua autoestima e a forma como se relacionam com os outros. A falta de compreensão por parte da sociedade pode levar ao isolamento.
Estratégias de Enfrentamento
TDAH e TEA: Muitos adultos desenvolvem estratégias para lidar com suas dificuldades, como o uso de tecnologia para organização ou o envolvimento em grupos de apoio. Isso pode ajudar a melhorar suas habilidades sociais e fortalecer suas relações.
8. Tratamento combinado e a busca contínua por informações
O reconhecimento dessas condições e a implementação de intervenções apropriadas são essenciais para que indivíduos com TDAH e autismo possam alcançar seu potencial máximo, especialmente no ambiente profissional, onde muitas vezes encontram seus maiores desafios.
O tratamento combinado de TDAH e autismo exige uma abordagem personalizada e multidisciplinar, envolvendo medicação, terapia e estratégias comportamentais adaptadas ao cotidiano da pessoa e especialmente a busca por saberes na área, pois é indispensável a compreensão e a aceitação da condição, a fim ressignificar a própria existência a partir do autoconhecimento e do autorespeito e amor próprio. Diante disso faço aqui algumas sugestões de leituras
Sugestões de leituras:
- Livro: “Mentes Inquietas: TDAH: desatenção, hiperatividade e impulsividade” – de autoria de Ana Beatriz Barbosa
- Livro: “De um jeito diferente. Do meu jeito” – de autoria de Eduarda Jardim
- Livro: “Vencendo o TDAH adulto” de autoria de Russell A. Barkley
- Livro: “Autismo no adulto” de autoria de Francisco B. Assumpção Jr.
- Livro: “Autismo: Humano à sua maneira – Um novo olhar sobre o Autismo” – de autoria de Barry M. Prizant
Artigo organizado por Clara Dawn, pesquisadora, escritora, psicanalista, neuropsicopedagoga, especialista em prevenção ao suicídio na infância e na adolescência.