“Uma pessoa com ubuntu tem consciência de que é afetada quando seus semelhantes são diminuídos, oprimidos. As pessoas devem saber que o mundo não é uma ilha: Eu sou, porque nós somos. Eu sou humano, e a natureza humana implica compaixão, partilha, respeito, empatia” – detalhou Dirk Louw, doutor em Filosofia Africana pela Universidade de Stellenbosch (África do Sul), em entrevista ao Por dentro da África.

Ubuntu é uma palavra existente nas línguas zulu e xhosa, faladas na África do Sul, que exprime um conceito moral, uma filosofia, um modo de viver que se opõe ao narcisismo e ao individualismo tão comuns em nossa sociedade capitalista neoliberal. Pode ser uma alternativa ecopolítica para uma convivência social e planetária pautada pelo altruísmo,  fraternidade e colaboração entre os seres humanos.

Ubuntu, um modo de viver que se opõe ao narcisismo e ao individualismo

Ubuntu exprime a consciência da relação entre o indivíduo e a comunidade. É, ao mesmo tempo, um conceito moral, uma filosofia e um modo de viver que se opõe ao narcisismo e ao individualismo tão comuns em nossa sociedade ocidental capitalista. Enquanto a ideia europeia sobre a natureza humana baseia-se na ideia de liberdade , de que os indivíduos têm o poder da livre escolha, a ideia africana do ubuntu repousa sobre a ideia da comunidade, de que pessoas dependem de outras pessoas para serem pessoas.

Segundo o espírito de ubuntu, as pessoas não devem levar vantagem pessoal em detrimento do bem-estar do grupo. Para que uma pessoa seja feliz será preciso que todas do grupo se sintam felizes. Estamos conectados uns com os outros e essa relação estende-se aos ancestrais e aos que ainda nascerão. Ubuntu é, assim, um sistema de crenças, uma ética coletiva e uma filosofia humanista espiritual pautada pelo altruísmo, fraternidade e colaboração entre os seres humanos.

Do ponto de vista político, o conceito de ubuntu é usado para enfatizar a necessidade da união e do consenso nas tomadas de decisão. É a síntese de um conhecido provérbio xhosa da África do Sul, que diz o seguinte: “Umuntu Ngumuntu Ngabantu”, “Uma pessoa é uma pessoa por causa das outras pessoas”.

A humanidade de uma pessoa é definida por meio de sua humanidade para com os outros

Esta é uma assertiva da educadora sul-africana Dalene Swanson, professora da University of British Columbia, em Vancouver, Canadá, sobre o ubuntu. Ela afirma ainda que diferentemente da filosofia ocidental derivada do racionalismo iluminista, o ubuntu não coloca o indivíduo no centro de uma concepção do ser humano. Este é todo o sentido do ubuntu e do humanismo africano. A pessoa só é humana por meio de seu pertencimento a um coletivo humano; a humanidade de uma pessoa é definida por meio de sua humanidade para com os outros. O valor de sua humanidade está diretamente relacionado à forma como ela apoia ativamente a humanidade e a dignidade dos outros; a humanidade de uma pessoa é definida por seu compromisso ético com sua irmã e seu irmão.

A filosofia ubuntu tem espaço num mundo capitalista? 

Ao ser questionada se a filosofia ubuntu poderia ser encaixada num mundo capitalista, Dalene Swanson respondeu: “vivemos em uma era de globalização econômica neoliberal profundamente perturbadora. Nossas pautas de desenvolvimento foram sequestradas por esse modelo econômico que se apresenta como a forma ‘certa’ ou única de promover o desenvolvimento. Moldado por relações capitalistas de produção, esse modelo é subscrito pelo materialismo, pelo individualismo e pela competição e normaliza uma elite rica sobre os pobres privados de direitos. Para maximizar os lucros, pensa-se que algo tem de ser explorado.

Em termos ecológicos, também inclui a devastação do meio ambiente em sua esteira. Visto que o princípio central do ubuntu é o respeito mútuo, ele está em consonância com a epistemologia africana de modo mais geral, que é circular em sua compreensão e, consequentemente, está mais em harmonia ecológica com a Terra do que a epistemologia do racionalismo ocidental, que é linear, exploradora e insustentável.

O ubuntu, como contribuição para uma filosofia nativa, é uma expressão viva de uma alternativa ecopolítica. Em um mundo crescentemente movido a vigilância, o futuro dos direitos humanos (e ecológicos), da dignidade humana e da sobrevivência de nosso planeta em termos amplos dependem de noções filosóficas e ideológicas nativas como o ubuntu para que o mundo não seja ‘destruído’ integralmente”.






As publicações do Portal Raízes são selecionadas com base no conhecimento empírico social e cientifico, e nos traços definidores da cultura e do comportamento psicossocial dos diferentes povos do mundo, especialmente os de língua portuguesa. Nossa missão é, acima de tudo, despertar o interesse e a reflexão sobre a fenomenologia social humana, bem como os seus conflitos interiores e exteriores. A marca Raízes Jornalismo Cultural foi fundada em maio de 2008 pelo jornalista Doracino Naves (17/01/1949 * 27/02/2017) e a romancista Clara Dawn.