Quem cresceu ouvindo a história de Chapeuzinho Vermelho, compreendeu o recado: menina, vá pelas sombras; usa essa capa pra esconder seu corpo e esse capote pra esconder seu rosto; não fale com estranhos; ande de cabeça baixa; não deixe o lobo mau perceber que você carrega um doce. A história da Chapeuzinho Vermelho é um mito empírico social de que não se deve falara com estranhos e de que a culpa é da vítima e não do abusador.

Primeiro: a culpa nunca é da vítima. Nunca. Segundo: é claro que não se deve falar com estranhos, mas também é verdade que 73% dos abusos sexuais praticados contra a criança e/ou o adolescente, acontecem dentro da casa da própria vítima ou na casa do abusador. E só em 10% dos casos, o abusador era um desconhecido da criança.

O abuso sexual na infância é como atingir uma mosca com uma bala canhão. Um infortúnio tão grande que pode desencadear sérios quadros de transtornos mentais na adolescência, vários distúrbios emocionais e de comportamentos e coloca a pessoa em risco iminente de desenvolver transtornos mentais graves e até mesmo conduzir ao suicídio.

Este artigo foi produzido para ajudar os pais, mas ele não os coloca numa posição de isentos. Muito pelo contrário, você que está lendo este artigo, pode nos ajudar a responder a seguinte questão: Podemos ajudar os pais a ensinarem os seus filhos a se protegerem do abusador sexual quando este é um estranho ou uma pessoa que não seja o pai e a mãe. Mas quem ensinará as crianças se protegerem também de seus próprios pais?

Apenas 10% dos abusadores são desconhecidos da família

Pesquisas conduzidas pelo Centro de Controle de Doenças (Centers for Disease Control/CDC) estimou que aproximadamente 1 em cada 6 garotos e 1 em cada 4 garotas são abusados sexualmente antes dos 18 anos. Quer ouvir algo ainda mais assustador? De acordo com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (US Department of Justice) apenas 10% dos abusadores eram desconhecidos da família. 23% eram outras crianças maiores e, pasmem, os pais, os avós, os tios e os padrastos estão no ranking das pesquisas. 

Essas estatísticas não surpreendem, já que na prática, sempre encontramos crianças que foram vítimas de abuso sexual. Muitos delas têm menos de 5 anos, quase todas conhecem o seu agressor.

Educação sexual não ensina a criança a fazer sexo, lhe ensina a se defender quem quer fazer sexo com ela

Nós temos que encarar o fato de que não podemos proteger integralmente nossas crianças de quebrarem ossos, de se machucarem ou cometerem erros, nem podemos evitar que estejam sob risco de sofrerem abusos. Assim como nós permitimos que eles subam na bicicleta mesmo que eles possam cair e se machucar – temos que permitir que eles saiam e interajam com as pessoas ao redor. Mas assim como recomendamos o uso do capacete para andar de bicicleta, nós podemos armar nossas crianças com conhecimentos que podem mantê-las seguras do abuso sexual.

Ensine estas três regrinhas

Converse com a criança que você conhece sobre o que é abuso sexual.  Nunca é cedo demais para falar com uma criança sobre os perigos do abuso sexual, bem como também nunca é tarde demais para falar sobre este assunto com o adolescente. Não precisa ser uma conversa assustadora. Você pode criar uma historia, uma fábula, uma canção… Algo com a linguagem adequada para cada idade. 

A chave para combater o abuso sexual infantil é capacitar a criança à prática do direito de dizer não. A criança precisa entender claramente estas três regrinhas:

  • Que o corpo dela é sua propriedade e ela tem o direito de mantê-lo privado.
  • Que ela tem o direito de recusar qualquer tipo de toque de outra pessoa, seja quem for.
  • Que ela tem o direito de dizer não a qualquer pessoa que queira manter algo em “segredo”.

10 maneiras de ensinar a criança a se defender de um abusador

  1. Fale sobre partes do corpo

Muitos pais e professores podem se sentir desconfortáveis ​​ao falar sobre a genitália, então os pré-escolares examinam o corpo desta forma: “Esta é minha cabeça, pescoço, braços, mãos, peito, estômago, pernas, pés.” O que está faltando? A criança precisa saber que o pênis, a vagina e a nádega são partes do corpo exatamente como o braço ou a perna. Se uma criança precisa fazer uma revelação de abuso – isso pode tornar sua história confusa. Lembra do filme “Um tira no jardim de infância”? – na escolinha havia um garoto de 5 anos que dizia: “meninos têm pênis e meninas têm vagina”. O nosso corpo é a nossa parte mais real e precisa ser respeitado e tratado com realidade e não fantasia.

  1. Ensine que há partes no corpo que são íntimas

Diga a criança que as partes íntimas do seu corpo são chamadas de íntimas porque não são para que todos vejam. Explique que a mamãe e o papai podem até vê-los nus enquanto lhes auxiliam no banho e/ou na troca de roupa, mas nem o papai e nem a mamãe podem “fazer carícias ou cócegas” em suas partes íntimas. E esta regra continua para as pessoas que não vivem com ela na mesma casa. Os adultos e os coleguinhas só devem vê-los vestidos. Explique ainda que o médico dela pode vê-la sem suas roupas, porque a pessoa responsável por ela estará lá com ela. E o médico somente faz isso para ver como está a sua saúde. Diga que ela é a dona do seu corpo. Crianças adoram quando lhes delegam “o poder de dizer não”.

  1. Ensine os limites do corpo

Diga a criança que não permita que ninguém toque em suas partes íntimas e que nenhuma pessoa pode lhe pedir que também lhe toque as suas partes privadas. O abuso sexual algumas vezes começa pedindo a criança para tocar nele ou em outra criança. Alerte a criança para todas as artimanhas do abusador: “eu tenho um lindo cachorrinho, você quer tocá-lo? Vamos lá em casa para vê-lo?”; “Eu lhe dou muitos doces se você beijar aqui…”

  1. Fale para a criança que os segredos são ruins

A maioria dos abusadores dizem a criança para manter o abuso em segredo. Isso pode ser feito de uma maneira amigável, como “Eu adoro brincar com você, mas se contar a outra pessoa sobre o que fazemos, não vão me deixar voltar aqui” ou como uma ameaça – “Este é o nosso segredo. Se você contar a alguém, vou dizer que a ideia foi sua e você vai ter um grande problema”; “Sua mãe pode morrer atropelada se você contar o nosso segredo”. Diga a criança que não importa o que alguém lhe fale, segredos sobre tocar em partes do corpo são ruins. E que existe diferença entre uma coisa ser privada e segredo. Privado é ir ao banheiro fazer xixi e todo mundo pode saber que você está no banheiro fazendo xixi. Já o segredo é aquela coisa que nem mesmo os seus pais ou coleguinha pode saber.  Deixe a criança saber que ele deve sempre lhe contar se alguém está tentando fazê-la manter segredos. Diga-lhe que você jamais ficará zangado com ela se ela lhe contar e jamais achará que ela teve culpa.

  1. Diga a criança que ninguém deve fotografar suas partes íntimas

Esta é uma atitude muitas vezes não percebida pelos pais. Há muitas pessoas doentes, pedófilos que amam fotografar e negociar retratos de crianças nuas online. Você pode não saber, mas existem sites no submundo da internet onde há grupos de pessoas compartilhando pornografia e violência infantil. Esta é uma epidemia e coloca o seu filho em perigo. Por isso, além de falar sobre a privacidade do corpo, explique a criança que ninguém deve jamais tirar fotos suas, seja como for, nuas ou não, a criança deve sempre pedir autorização aos seus tutores. Por isso ensine-a a dizer: “você não tem autorização para tirar uma foto minha”.

  1. Ensine a criança como sair de situações assustadoras ou desconfortáveis

Algumas crianças não se sentem à vontade para dizer “Não” às pessoas – especialmente aos mais velhos ou adultos. Ajude-as a dar desculpas para sair de situações desconfortáveis. Fale para ela que se alguém quiser ver ou tocar em suas partes íntimas ele pode responder, por exemplo, que precisa ir ao banheiro e depois sair correndo.

  1. Crie uma palavra “código” para a criança usar quando se sentir insegura ou com medo

Conforme as crianças crescem, podemos trabalhar com uma palavra “código” que elas podem usar quando se sentirem inseguras. Isso pode ser usado em casa, quando há convidados, no playground ou mesmo quando vão dormir da casa de amigos. Lembra quando eu sugeri para criarem uma história, uma fábula, uma canção…? Então, dentro dessa história que você criar, pode existir um par de amigos que tem uma palavra secreta para os momentos de perigo. A criança achará isso o máximo e confiará sempre em seu amigo das horas de perigo.

  1. Diga a criança que ela nunca vai se dar mal se ela lhe contar que alguém está querendo tocar (ou já tocou) em seu corpo ou lhe pedindo para guardar segredos sobre o seu corpo

As crianças muitas vezes me dizem que não contaram nada aos seus pais porque pensaram que iriam ter problemas. Isso é muitas vezes ameaçado pelo autor do abuso. Diga a criança que não importa o que aconteça – quando contarem qualquer coisa sobre a segurança do corpo ou os segredos do corpo, ela JAMAIS será punida ou criticada.  E, por favor, cumpra isso. Já vi pais prometerem não agredir o filho se este lhe contar a verdade, mas ao saberem da verdade ficam furiosos e agridem o filho, física e verbalmente.

  1. Fale para a criança que um toque no corpo pode fazer cócegas ou parecer legal, mas isso é desrespeito

Todo o nosso corpo foi feito para nos proporcionar prazer. E por isso temos que falar com a criança sobre o que é um “toque bom e um toque ruim”. Explicar que mesmo que sinta uma sensação boa ou cocegas ao ser tocada nas partes íntimas por um adulto, esse adulto não tem o direito de fazer esse tipo de toque. Esse toque é ruim. O toque bom é aquele que não precisa de segredo e que pode ser feito na frente das pessoas: um aperto de mão, um abraço – se ela quiser abraçar, um beijo no rosto ou na testa.

  1. Diga que mesmo que ela conheça a pessoa ou mesmo que seja outra criança – as regras são as mesmas

Este é um importante ponto para discutir com a criança. Quando você pergunta a uma criança o que é um “cara mau”, ela provavelmente vai descrever um personagem vilão de seus desenhos favoritos. Certifique-se de mencionar a criança que ninguém pode tocar suas partes íntimas, nem mesmo aquela pessoa que acha legal. Você pode dizer algo como: “Ninguém deve tocar suas partes íntimas. Se você ainda não sabe lavar suas partes íntimas sozinha, pode aprender tentando todos os dias. Mas, nem amigos, nem tias ou tios, professores, treinadores ou mesmo o papai e a mamãe podem lhe tocar – ninguém. Mesmo se você gosta deles ou pensa que estejam no comando, eles ainda não devem tocar suas partes íntimas”.

Sem o conhecimento do direito de dizer não, as crianças correm um risco muito maior sofrerem abusos

Não sejamos ingênuos em acreditar que essas instruções impedirão absolutamente o abuso sexual, mas as crianças correm um risco muito maior sem elas. O conhecimento é uma força poderosa para o abuso sexual na infância – especialmente com crianças pequenas que são alvo mais fácil devido à sua inocência e ignorância nesta área. Tenha essas conversas frequentemente. Uma vez não é suficiente. Este é um tópico que deve ser revisitado sempre, sempre.

O objetivo deste artigo é sugerir o debate e a reflexão acerca do abuso sexual na infância e na adolescência, e com isso, tentar evitar experiências terríveis e traumáticas, o desencadear da depressão, da prática da automutilação, da busca pelo entorpecimento da dor por intermédio do álcool e/ou drogas e o suicídio. Compartilhe estas informações com aqueles que você ama e se importa. Espalhe a mensagem da segurança do corpo!

Se você quiser que a criança reconheça, aprecie e exerça seus direitos sobre o próprio corpo, você também terá que respeitar esses direitos. Não force sinais físicos de afeto. Se você quer um abraço ou um beijo, peça um. Mas se a criança se esquivar ou disser não, respeite isso e recue. Essa mesma regra deve ser aplicada a todos os seus amigos e parentes. Quando sua irmã vier visitá-lo, você nunca deve ordenar a criança: “Dê um beijo em sua tia”. Em vez disso, pergunte a ela: “Você quer dar um beijo em sua tia?” Se ela disser não, não se desculpe e nem peça a criança para se desculpar, porque ela tem todo o direito de dizer não.

4 frases que você deve dizer para uma vítima de abuso sexual

Para concluir conheça as 4 frases que você deve dizer para uma vítima de abuso sexual. Se qualquer criança ou adolescente que você conheça, vier até você com uma potencial revelação de ser uma vítima de abuso sexual, há apenas 4 coisas a lhe dizer:

  • “Eu acredito em você”
  • “A culpa não é sua”
  • “Parabéns por sua coragem em me contar”
  • “Se você quiser, posso lhe acompanhar numa conversa com um especialista”.

Estas 4 frases, por si só, já começam uma conversa da maneira certa. Não interrogue a criança. Existem profissionais que sabem fazer isso: a assistente social do CREA ou do Conselho Tutela, a psicopedagoga da escola, os profissionais da delegacia da Infância e da Juventude… São ele que farão as perguntas certas para obter as informações de que precisam.

Você também deve ligar para o número 180 e denunciar. Vamos todos juntos combater a pedofilia. Vem comigo por esse caminho, vem?

Anexo:

Pai e mãe são presos por gravar estupro dos próprios filhos: material era trocado na internet

A Polícia Federal prendeu na quinta-feira (19/09/2019), em Iguape e Cajati, no Vale do Ribeira, em São Paulo, duas mulheres acusadas de participarem de uma série de estupros  torturas contra duas crianças, uma de 5 anos e uma de 12 anos. Os atos eram filmados e distribuídos em fóruns da Deep Webnome dado para uma zona da internet que não pode ser detectada facilmente pelas tradicionais ferramentas de busca.

As prisões fazem parte da segunda fase da Operação Pedomom, que começou em maio deste ano e prendeu um homem em Iguape. A investigação partiu de um comunicado da Interpol sobre a detenção de um casal de ucranianos que produzia e distribuía arquivos contendo imagens de abuso sexual infantil naquele país.

Durante o cumprimento do mandado de busca e apreensão, o brasileiro identificado tentou destruir seu laptop e celulares, sem sucesso. Os dispositivos foram levados à análise do Setor Técnico-Científico da PF, que identificou um grande volume de arquivos contendo cenas de abuso sexual praticados por ele em companhia das duas mulheres detidas nesta quinta. As duas crianças que aparecem nas gravações são a filha do homem e o filho de uma das mulheres.

“Há registro da ocorrência de mais de 30 estupros, além de imagens de tortura praticada contra uma das crianças. No caso de uma das agressoras, foi possível individualizar aproximadamente 20 atos de abuso sexual praticados contra o próprio filho. Os estupros eram filmados pelos agressores, que posteriormente os trocavam em fóruns da Deepweb dedicados especificamente a abusos sexuais praticados por pais e mães”, informa a PF por meio de nota.

O crime de publicação de imagens de pornografia infantil prevê pena de 3 a 6 anos de reclusão. Já o estupro de vulneráveis prevê de 8 a 15 anos de prisão. A primeira fase da operação não foi divulgada à imprensa para não prejudicar a identificação de outros envolvidos.

Este texto foi organizado por Clara Dawn escritora, pesquisadora, psicopedagoga e psicanalista, presidente do IPAM – Instituto de Pesquisas Arthur Miranda em prevenção à drogadição, aos transtornos mentais e ao suicídio na infância e na adolescência. Quer ajudar Clara Dawn a continuar com este importante projeto? Acesse o canal do Youtube Clara Dawn – IPAM e assista os vídeos, comente, sugira pautas, compartilhe. Toda a renda adquirida com o canal, é destina ao IPAM.  Confira o vídeo:

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Clara Dawn é romancista, psicopedagoga, psicanalista, pesquisadora e palestrante com o tema: "A mente na infância e adolescência numa perspectiva preventiva aos transtornos mentais e ao suicídio na adolescência". É autora de 7 livros publicados, dentre eles, o romance "O Cortador de Hóstias", obra que tem como tema principal a pedofilia. Clara Dawn inclina sua narrativa à temas de relevância social. O racismo, a discriminação, a pedofilia, os conflitos existenciais e os emocionais estão sempre enlaçados em sua peculiar verve poética. Você encontra textos de Clara Dawn em claradawn.com; portalraizes.com Seus livros não são vendidos em livrarias. Pedidos pelo email: [email protected]