Você não pode mudar uma pessoa narcisista. Ela não vai melhorar. Essa é a dura realidade. Esperar que um narcisista mude é uma forma injusta e cruel de autoabandono”. Essa frase ecoa como um grito de lucidez. Talvez doa, mas é uma dor que cura, que desperta. É o tipo de verdade que nos arranca da fantasia de um amor possível com quem não enxerga o outro como um sujeito, mas apenas como uma extensão de si. Essa é a proposta da doutora em relacionamento familiar, Margalis Fjelstad, em seu livro “Curando um Relacionamento Narcisista: Um Guia para Recuperação, Empoderamento e Transformação”. Ela não romantiza, não mascara. Vai direto ao ponto: relações com pessoas narcisistas não se curam com mais amor, mas com limites, distanciamento e reconexão com o próprio eu.

O que é um relacionamento narcisista, segundo Margalis Fjelstad

A doutora Margalis define o relacionamento narcisista como uma relação emocionalmente abusiva, caracterizada por uma dinâmica de controle, manipulação, dependência afetiva e negação da individualidade do outro. O narcisista é alguém que precisa se sentir superior, admirado e no controle constante, mas que tem uma autoestima frágil e dependente de validação externa. Para isso, ele faz uso de técnicas psicológicas destrutivas: gaslighting, chantagem emocional, silencioso castigo e inversão de culpa.

Na perspectiva de Fjelstad, o que mais destrói não é o grito, mas o esvaziamento emocional: o narcisista retira o chão de quem está por perto, criando uma realidade onde só há espaço para suas necessidades, desejos e narrativas.

O cuidador capacitado: quem se entrega demais tentando consertar o outro

Esse é um conceito central na obra da autora. O cuidador capacitado é geralmente uma pessoa empática, sensível, que aprendeu desde cedo a cuidar dos outros como forma de ser aceita. Vem, muitas vezes, de lares negligentes ou instáveis, onde precisou assumir papéis parentais na infância. São pessoas que confundem amor com sacrifício.

Fjelstad alerta: esse tipo de pessoa é o par perfeito (e trágico) para o narcisista. Porque enquanto o narcisista exige, o cuidador oferece. Enquanto o narcisista manipula, o cuidador justifica. Enquanto o narcisista desvaloriza, o cuidador tenta provar seu valor.

Essa dança só termina quando o cuidador percebe que não é responsabilidade dele salvar ninguém — e que tentar salvar o narcisista é perder-se de si mesmo.

8 características de um narcisista

Nem todo comportamento abusivo é narcisismo. Mas há alguns padrões consistentes que ajudam na identificação, segundo Fjelstad:

  1. Necessidade excessiva de atenção e validação
  2. Incapacidade de empatia verdadeira
  3. Manipulação constante, seja por sedução ou agressividade
  4. Explosões de raiva quando contrariado (a chamada “fúria narcisista”)
  5. Crítica constante aos outros, mas hipersensibilidade à crítica
  6. Mentiras frequentes, inclusive desnecessárias
  7. Comportamento de “idolatria e desvalorização”: primeiro te colocam num pedestal, depois te rebaixam
  8. Dificuldade em aceitar responsabilidade por seus atos — sempre culpam o outro

É importante lembrar que o narcisismo é um transtorno de personalidade (TPN) que exige diagnóstico clínico. Porém, mesmo sem o rótulo formal, estar em uma relação com alguém que reproduz esses padrões já é motivo suficiente para acionar o alerta emocional.

7 sinais de que você está presa em um ciclo abusivo

Fjelstad reforça: amar não deve significar desaparecer. Quando o amor vira prisão, o afeto já morreu — o que resta é apego e medo. Quando você está num relacionamento com uma pessoa narcisista, você:

  1. Sente que está sempre pisando em ovos
  2. Vive tentando agradar, sem nunca ser suficiente
  3. Tem crises de identidade e autoestima rebaixada
  4. Sente culpa constante, mesmo sem motivo claro
  5. Justifica o comportamento abusivo dizendo que o outro “teve uma infância difícil”
  6. Se sente esgotada emocionalmente, física e mentalmente
  7. Percebe que seus sonhos, desejos e necessidades desapareceram

Esperar a mudança é uma forma de autoabandono

Uma das contribuições mais fortes de Fjelstad está na denúncia do autoabandono. Quando você permanece esperando que o narcisista mude, está, na verdade, repetindo uma lógica de abandono emocional que talvez tenha começado na infância. Você tenta, inconscientemente, ser a criança boa que vai, finalmente, receber amor.

Mas essa espera se torna um cativeiro. A mudança verdadeira, segundo a autora, só acontece quando você deixa de esperar que o outro melhore e começa a reconstruir sua própria vida. E isso requer coragem — mas também compaixão por si mesma.

O caminho da cura: limites, reconexão com o eu e liberdade emocional

Não se trata apenas de romper. Muitas vezes, isso é impossível no início — seja por vínculos legais, familiares, afetivos. Mas o processo de cura começa quando você começa a:

  • Estabelecer limites firmes e consistentes
  • Parar de tentar agradar o outro a qualquer custo
  • Buscar ajuda profissional que compreenda dinâmicas narcisistas
  • Resgatar seus interesses, sua rede de apoio, sua história
  • Acreditar que merecer amor saudável não é arrogância, é direito emocional básico

Margalis Fjelstad oferece um mapa de saída — e ele passa, antes de tudo, pela escolha de amar a si mesma. Ela não promete final feliz no outro, mas promete liberdade e reconexão no seu próprio caminho.

Fontes pesquisadas e leituras complementares

 






As publicações do Portal Raízes são selecionadas com base no conhecimento empírico social e cientifico, e nos traços definidores da cultura e do comportamento psicossocial dos diferentes povos do mundo, especialmente os de língua portuguesa. Nossa missão é, acima de tudo, despertar o interesse e a reflexão sobre a fenomenologia social humana, bem como os seus conflitos interiores e exteriores. A marca Raízes Jornalismo Cultural foi fundada em maio de 2008 pelo jornalista Doracino Naves (17/01/1949 * 27/02/2017) e a romancista Clara Dawn.