“Quando alguém me xinga no trânsito, eu tenho que saber se a pessoa está dizendo a verdade ou a mentira, e nos dois casos eu não posso me ofender. Conheçam-se, saibam quem vocês são.

Ano passado um aluno bateu a porta na minha cara e gritou: ‘Careca!’ O que eu iria dizer para esse aluno? ‘Não! Retire o que você disse! Estou ofendido!’ As pessoas têm direito de dizer o que querem, é um direito constitucional, mas eu só me ofendo quando eu concordo com elas. O ataque é veneno e veneno só funciona se eu tomá-lo. Se eu não tomá-lo, o veneno não funciona.

Já ouvi no trânsito de São Paulo, e gravei um programa sobre isso uma vez no Café Filosófico, alguém me gritando e insinuando que minha mãe exercia atividade erótica remunerada. Examino a biografia de minha mãe, hoje com oitenta anos, e na juventude ela estava sempre com o rosto fechado nas fotos – como era próprio daquela época nunca sorrir –, ou seja, ela era obviamente uma mulher fiel, sempre triste, fechada, uma mulher de um homem só, pois não ria, não tinha aquela pele brilhante da mulher que não é tão dedicada. No passado por virtude e no presente por falta de mercado, minha mãe não é e não foi uma prostituta, então eu não me ofendo com essa tentativa de xingamento. Mas se ela o fosse, o que não é crime no Brasil, eu deveria dizer à pessoa: ‘Ah! Você conheceu mamãe? Você ia lá em casa?’ Nesse caso, também não teria que me ofender.

O segundo xingamento mais comum e mais estranho diz respeito à orientação sexual – estranho porque orientação sexual não é xingamento e, sim, uma característica de cada pessoa. Alguém insinua que eu seja de uma orientação sexual específica. Eu observo e penso: ‘Tenho cinquenta e quatro anos, é uma idade boa para já se saber sobre seus orifícios preferidos; é uma idade que, grosso modo, já se sabe mais ou menos o que se gosta, e não haveria nenhum problema gostar de outra coisa.’ Então eu digo: ‘Você está enganado.’ Seguindo o velho conselho do Rio Grande do Sul, onde nasci: ‘Por onde sai o feijão não entra mandioca.’ Mas e se fosse o contrário? Sem problema algum, e nesse caso eu diria a essa pessoa: ‘Você me conhece? Eu não me lembro do seu rosto, mas eu olho sempre o travesseiro, quer dizer, estou sempre na fronha.’

Quando alguém lhe xinga de velha, de feio, de babaca, de filho de alguma coisa ou até mesmo de um time de futebol específico resta você saber: a pessoa está certa ou errada? Se ela estiver certa ou errada ela não estará me ofendendo. A vida é muito curta para que eu perca tempo com babacas cheios de ódio. A vida é muito curta para isso”.

Trecho da palestra “A vida é muito curta para perder tempo com gente babaca” – com o professor Leandro Karnal. Assista na íntegra no vídeo abaixo.






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