“Nós estamos caminhando rapidamente à extinção. Porque essa facilitação toda [a tecnologia] tirará de nós um pouco de nossa vitalidade. Vou dar um exemplo banal: outro dia alguém quis me presentear com uma latinha dessas de lixo que a gente deixo sobre a pia da cozinha, automática, que ao se aproximar ela abre automaticamente a tampa sem precisar levantá-la. Eu disse: ‘não faça isso, você quer que eu morra mais cedo?, nem o esforço de levantar’. Isso significa que algumas coisas nós temos que deixar de lado aquilo que é mera novidade. O mundo facilitou algumas coisas, mas ele nos trouxe encrencas por outro lado. Por exemplo, eu já disse isso um dia e repito aqui, no domingo, famílias inteiras saem de casa para comer comida caseira. Isso é uma forma de demência. A família se junta e sai para comer comida caseira.

A pessoa diz assim:’eu tenho tantos amigos nas redes sociais…’Mas a noção de amizade é um pouco diferente. Há uma diferença entre turma e bando. Há pessoas que vivem mais em bando do que em turma. Turma é outra coisa que você sabe se às duas manhã você ligar, aquele grupo sairá para te socorrer, para te ajudar. É diferente, turma e bando.

Viver em cardume não é a mesma coisa que você saber para onde está indo. Acho que nessa perspectiva, o mundo contemporâneo traz para nós, nas grandes cidades, grandes facilidades, mas também nos acomoda, nos deixa mais frouxos. Nós perdemos a capacidade até de usarmos a nossa energia para algo que seja muito mais forte.

[…] Gostaria de lembrar uma palavra que todo mundo que estudou Darwin, um dia, reconhece, que é a palavra ‘evolução’. A palavra evolução não significa melhoria. Significa mudança. Câncer também evoluí, problema também se desenvolve e falência também progride. Portanto, a palavra evolução significa mudar. Na medicina, por exemplo, quando nós morremos, eles escrevem: ‘evoluiu para o óbito’.

Ora, nós somos um animal perigoso.  Nós somos um animal que acha que a evolução é sempre para nossa melhoria e ela não o é. E segundo, há pessoas que – entre outras coisas – não entendem que Darwin nunca disse a frase: ‘a sobrevivência é dos mais fortes’. Ele escreveu: ‘na forte luta pela vida, a sobrevivência é dos mais aptos’. A noção de aptidão não de se conformar, é a de não perecer num ambiente novo.

[…]Que parte do mundo contemporâneo nos acomoda, nos deixa mais frouxos, nos deixa um pouco mais largados… a gente está se formando um pouco mais vagabundos. […] A gente está se acomodando um pouco. De repente, vai acontecer conosco uma coisa que já aconteceu com os cães. A ciência sabe, que os cães [domésticos] não vivem mais sem nós humanos. Se os seres humanos desaparecerem, os cães também vão desaparecer. A dependência simbiótica deles conosco é tamanha que eles desaparecerão juntos conosco, pela incapacidade de viver sem nós. […]

Ora, porque eu estou lembrando isso: porque nós também estamos nos tornando tão dependentes da relação imediata de aplicativos tecnológicos, que se hoje termina a energia num apagão, nós ficamos incapazes de fazermos 90% das coisas. A gente não come, não se movimenta, não se comunica. Portanto, reféns. Isso é perigoso”. Mario Sergio Cortella

Esta transcrição foi feita por Portal Raízes e trata-se de um trecho da entrevista que o professor Mario Sergio Cortella concedeu ao programa Pânico – da rádio Jovem Pan -com o tema original: O ser humano está caminhando para a extinção.






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