Resenha feita pela jornalista Juliana Santhele (Contém spoiler)

Loira, alta, magra e de olhos azuis. Uma ideia que virou produto e há décadas vende, ao público feminino, um padrão de beleza impossível de alcançar. Desde o dia 20 de julho deste ano, não se fala em outra coisa na internet para além do filme da Barbie. E não é para menos. O filme é realmente bom.

Em quase duas horas de duração, a trama trata de questões contemporâneas e que, talvez, a boneca mais famosa do mundo jamais pensou em lidar. O enredo conta a história da Barbie que você e eu conhecemos, aquela que mal consegue encostar os pés no chão e que se fosse uma mulher de carne e osso com certeza sofreria sérios problemas de saúde físicos.

E como tudo no mundo cor-de-rosa da “Senhorita de Plástico” é perfeito, ela vai até o mundo dos humanos encontrar a garota que está brincando com ela de maneira errada, digamos, para tentar solucionar suas questões. E, é aí que temas como patriarcado, sexismo e poder do grupo A sobre o grupo B, aparecem. Ora de modo caricato, ora com a sutileza que o lúdico pede.

Não é filme para crianças

A classificação indicativa no Brasil é de 12 anos, mas não é um filme para crianças, nem mesmo de 12 anos. Apesar dos elementos gráficos serem todos baseados na cor rosa e seus derivados, o conteúdo não deve ser visto pelas pequenas e os pequenos. No meu ponto de vista, a classificação indicativa deveria ser, 14 anos.

Crises existenciais e dilemas psíquicos reais 

Ken, por exemplo, entra em numa franca crise existencial quando percebe que ele só existe porque a Barbie existe. Ele nitidamente não sabe quem é, do que ele gosta, o que ele quer. Dizer isso não chega a ser um spoiler, porque sabemos que Ken, nada mais é, do que o parceiro da Barbie. Entretanto, este não é um dilema só do boneco em si. Arrisco em dizer que os sentimentos ilustrados por Ken, se referem ao que qualquer pessoa que se vê neutro, num relacionamento interpessoal, sentiria. Ken também não tem voz e suas vontades são, na maioria das vezes, invalidadas. Nesse ponto podemos digredir do enredo, pois, para dar voz às meninas, não precisamos silenciar os meninos. Pelo contrário, falar e ocupar um lugar no mundo, é indispensável à saúde integral de todos os seres.

Diversidade tratada sem clareza e aquém da verdade

O que prova que o poder estar nas mãos das bonecas na cidade hipotética dos personagens, também não é algo que funciona. E não funciona porque deste modo, não há espaço para a diversidade de corpos, de ideias, de lideranças. Neste quesito, inclusive, o filme deixa um pouco a desejar.

Há uma variação negra da boneca? Sim. Todavia, ela é magra tal qual a tradicional e possui cachos longos e bem definidos. Há uma versão transgênero? Sim. Contudo, é ruiva. Há uma gorda? Também há, mas ela é branca. Talvez você se pergunte sobre o que há de errado numa transgênero ruiva e numa gorda branca. No meu ponto de vista, branca e ruiva, englobam o estereótipo do que é beleza. Será que uma trans negra, por exemplo, venderia tanto quanto a ruiva?

Não quero deixar de mencionar o fato de que essas bonecas diversas não estão nas prateleiras das lojas, sendo ofertadas às pessoas na mesma proporção que a Barbie magérrima. O mesmo pode se dizer das edições de Barbie Frida Kahlo, Amelia Earhart, Katherine Johnson e outras. Logo, é preciso ter muita grana para adquirir a diversidade e a representatividade oferecidas pela marca Barbie. Ou seja, outra vez, a boneca é excludente e elitista. Em minha humilde opinião, não é justo escolher uma única forma de representação feminina como propósito final da produção.

Em suma: O longa tem um final assertivo em sua promessa de romper com o paradigma machista e sexista. Porém, ainda que a intenção da Mattel tenha sido quebrar o estigma sociocultural que ela mesma impôs e, com isso, tente se desculpar com os consumidores, por sua Barbie desconstruída da mulher real, como era o desejo de Ruth Handler, sua criadora, ela jamais deixará de pensar na Barbie como um produto que precisa ser comercializado e trazer bons lucros. Compre a ideia quem nela acredita. E quem tem dinheiro, é claro.






Juliana Santhele é jornalista, jovem, negra, PCD. Colunista do Portal Raízes, ouvinte de podcast nas horas vagas, leitora do que chama a sua atenção. Autora do livro: "Entre Vistas" sobre a maternidade solo na sociedade brasileira pós-moderna (prelo).