A atriz Taís Araújo fala do desafio de criar filhos doces num país tão ácido, como o Brasil. Antes que soem os tambores e comecem o lixamento virtual, vale ressaltar que a palestra foi em 2017 pela TEDx Tallks. Nós do Portal Raízes fizemos a transcrição de um trecho. Você pode assistir na íntegra, no vídeo abaixo.

“Eu sou mãe de um menino de seis anos, chamado João Vicente, e de uma menina de dois anos e sete meses, chamada Maria Antônia. E a pergunta que mais me fazer é: ‘qual é a diferença entre criar um menino e criar uma menina?’. E a minha resposta é imediata, eu sempre falo que não vejo diferença entre criar meninos e meninas. Eu estou criando dois indivíduos; portanto, cada um tem sua característica. Essa minha resposta, apesar de sempre a mesma, ela é uma mentira. Eu vejo diferença entre criar meninos e meninas.

O gênero é uma questão, porque quando eu engravidei do meu filho, eu fiquei muito, mas muito aliviada, de saber que no meu ventre tinha um homem, porque eu tinha a certeza que ele estaria livre de passar por situações vivenciadas por nós, mulheres.

Teoricamente, ele está livre, certo? Errado porque o meu filho é um menino negro, e liberdade não é um direito que ele vai poder usufruir. Se ele andar pelas ruas descalço, sem camisa, sujo, saindo da aula de futebol, ele corre o risco de ser apontado como um infrator, mesmo com seis anos de idade.

Quando ele se tornar adolescente, ele não vai ter a liberdade de ir pra sua escola, pegar uma condução, pegar um ônibus, com a sua mochila, com seu boné ou com o seu capuz, com seu andar adolescente, sem correr o risco de levar uma investida violenta da polícia, ao ser confundido com um bandido.

Porque no Brasil a cor do meu filho é a cor que faz com que as pessoas mudem de calçada, escondam suas bolsas e que blindem seus carros.

A vida dele (do meu filho) só não vai ser mais difícil do que a da minha filha. Com a Maria Antônia, eu me pego pensando o tempo inteiro, o quanto nós, mulheres somos criadas pra agradar, o quanto nos silenciam, e o quanto nos desqualificam o tempo inteiro.

Quando eu penso o risco que ela corre,simplesmente por ter nascido mulher e negra, eu fico completamente apavorada. E o meu pavor, ele tem uma razão. Observando o mapa da violência no Brasil – esse mapa era de 2015, é o último que a gente tem – os números são muito alarmantes, mas nós temos algumas vitórias, são muito poucas, mas queria ressaltar uma: o número de feminicídio contra mulheres brancas, ele caiu. Ele caiu 9,8%. É muito pouco pro que a gente deseja pra nossas irmãs brancas, mas caiu.

Já o número de feminicídio contra as mulheres negras aumentou 54,8%. É, ou não, pra ficar apavorada? Preciso dizer mais alguma coisa? Preciso.

Preciso dizer que, apesar do meu pavor, apesar do meu medo, apesar desses números alarmantes, eu não ouso perder a esperança e fico elaborando o tempo inteiro um maneira de eu criar meus filhos aqui, no Brasil, no meu país.

Eu fico pensando em como criar crianças doces num país tão ácido; como criar crianças que acreditem que pluralidade e diversidade são riquezas, num país que é tão plural, que é tão diverso e que é tão desigual. Como não jogar sobre elas uma vivência, experiência e até uma mágoa que é minha?Mas também, como não permitir que elas enfrentem o mundo de maneira ingênua, pra que não seja atropelas pelo racismo que existe na estrutura do nosso país?

Eu assisti um filme chamado ‘A 13ª Emenda’, um documentário. Ele fala sobre o sistema carcerário norte-americano, e a fala de homem branco me chamou muita atenção. Ele disse: ‘eu sou fruto de uma escolha feita pelos meus antepassados. Os negros são fruto de uma falta de possibilidade de escolha dos seus antepassados. Eu, homem branco, tenho cupa dessas escolhas? Os negros contemporâneos têm culpa dessas escolhas? Não, nenhum de nós tem culpa, mas foi uma herança que a gente recebeu. Então a gente tem que ter a responsabilidade de lidar com essa herança, das quais somos fruto’.

Eu fiquei pensando no que esse cara falou, e eu falei: ‘gente, o que ele está falando? Essa ‘herança’ que esse cara tá falando, ela tem um nome, e ela se chama ‘nossa sociedade’. Sendo assim, a desigualdade social, a desigualdade entre gêneros e o racismo, são sim, problemas de todos nós.

Os meus filhos, eles são crianças ainda, eu não sei qual será a condição sexual deles, mas o que desejo pros meus filhos é o que desejo pra toda e qualquer criança, seja branca, negra, indígena, heterossexual, homossexual, gay, trans: eu desejo que eles cresçam livres, cheios de amor, coragem, que sejam crianças potentes. E eu também tenho um sonho. Eu tenho um sonho de ver ricos trabalhando pra acabar com a pobreza”. Taís Araújo. (Transcrição feita até 6min44seg).






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