Jed Diamond, terapeuta familiar e matrimonial, é o sobrevivente de algo que ele chama de ferida do pai ausente, uma ausência física ou emocional do pai paterno. Em seu livro, Meu Pai Ausente (My Distant Dad), compartilha suas experiências pessoais de ter um pai ausente. Depois de dois divórcios e anos de trabalho como terapeuta familiar e matrimonial, Diamond fez uma conexão entre a ferida do pai ausente e alguns de seus conflitos existenciais. “Talvez se eu curasse o passado, eu de fato curaria meu relacionamento atual”, diz ele.

O que acontece quando um pai não estabelece vínculo algum com seus filhos?

O cérebro de uma criança é um ávido processador de estímulos, e no seu dia a dia precisa de estímulos positivos para poder crescer de forma madura e segura. Um pai ausente produz incongruências, vazios e dificuldades no contato com os outros. A criança espera carinho, comunicação e uma interação diária com a qual se abrir ao mundo também através do seu pai. Contudo, só encontra muralhas. Um trato vazio e esquivo gera ansiedade nas crianças, não sabem “a que se apegar”, desenvolvem expectativas que não se cumprem, e tendem além disso, a comparar “pais alheios” aos que eles têm em casa. Sabem que os pais dos seus amigos agem de modo diferente do seu

Como podemos nos curar de um relacionamento que talvez nunca tenhamos?

O medo e ansiedade constantes, podem resultar do trauma de um pai ausente. E Diamond diz que a ferida do pai ausente pode se tornar um problema geracional. Também pode afetar tudo em nossas vidas, inclusivo os nossos relacionamentos íntimos. Diamond acredita que a chave para quebrar o ciclo de mágoa, mal-entendido e ausência física e/ou afetiva é reconhecer o que pertence ao presente – e o que pertence ao nosso passado.

Quando ousamos embarcar na jornada de cura, nos abrimos para fazer as pazes com nosso passado ferido. Somos capazes de aprofundar nossos relacionamentos atuais. E podemos criar um amor real e duradouro com nossas relações afetivas. O que nos feriu no passado, às vezes, nos dá a oportunidade de crescer no futuro.

A dor pelo pai ausente é a disfunção psicológica, relacional e física que faz um buraco em nossas almas

Imagine um buraco em nossas almas, na forma de nosso pai. Como isso afeta o que sinto por mim mesmo? Como isso afetaria minha capacidade de ter um bom relacionamento com alguém? Como isso afetaria minha autoestima? Minha saúde física? Muitos deles estão relacionados. Em nossa cultura, temos todas essas condições físicas e não vemos a conexão entre elas e o que aconteceu na infância. Por exemplo, a maioria das pessoas não diz: “Estou acima do peso porque não tive o amor de que precisava quando estava crescendo”. Achamos que temos um problema de dieta. Mas pode haver um buraco que nunca foi preenchido.

O que uma criança mais precisa em um pai?

Sua presença. Seu amor incondicional. Seu profundo e permanente cuidado por quem você é e como você. Assim como costumamos projetar muitas das nossas esperanças e sonhos em nossos cônjuges, também costumamos projetar muito disso em nossos filhos. Não vemos as crianças como elas são; nós os vemos como gostaríamos que fossem. O que as crianças precisam é ser vistas como são e ter uma presença amorosa em suas vidas para sempre. Você nunca supera esse desejo de ter essa presença em sua vida.

Se você é uma criança cujo pai é ausente, mas é muito próximo de um avô, tio ou amigo próximo da família, ainda assim, você sente essa ferida?

Isso definitivamente ajuda, mas não corrige não sara a ferida do pai ausente. Você não pode evitar o fato de que ainda haverá uma dúvida profunda sobre o que você perdeu numa convivência efetiva com o seu pai, e você precisa chegar a um entendimento do que ainda não foi curado. Ajuda ter outro suporte, mas você ainda precisa fazer algum trabalho de cura para lidar com a ausência integral de seu pai.

Como a ferida do pai ausente afeta mulheres e homens de maneira diferente?

Geralmente, as mulheres tendem a fazer mais a conexão entre o medo, a dor, a depressão e a perda que sentem em seus relacionamentos atuais, com as feridas do  passado. Já os homens tendem a estar mais em contato com sua raiva. Grande parte dos homens não se ligam, de imediato, que a possível falta de simpatia ou empatia para com os relacionamentos afetivos, chegando ao ponto de se tornarem raivosos e controladores, são, na verdade, disfarces para a dor e o medo que sentem. E o oposto tende a ser verdadeiro para as mulheres. Às vezes, o medo e a dor são um disfarce para a raiva com a qual elas não lidaram no passado. Mas quando você entender isso, em vez de ficar apenas com raiva de seu cônjuge ou com medo de perdê-lo, você pode dizer: “Onde estava a raiva quando meu pai foi embora? Onde estavam a dor e o medo pelo pai  que não estava comigo quando eu precisei dele?”.

O comportamento do pai ausente é transmitido de geração em geração? Como podemos evitar que esse padrão continue?

Quando você começar a tratar da ferida do pai ausente, quase sempre encontrará feridas que acompanham toda a família, geração após geração. Quando estamos em um relacionamento e sabemos que algo está errado, mas não sabemos o quê é, apenas fazemos o melhor que podemos para nos consertar ou consertar a outra pessoa. Mas então começamos a decifrar: não é só ele ou ela; tem a ver com nosso passado. De repente, podemos fazer essas conexões que nem sabíamos que existiam.

Podemos sim, ainda que inconscientes, transmitir nossos traumas aos nossos filhos. O que descobri é que, assim que você vê o caminho em sua vida, o medo inconsciente de passá-lo para seus filhos começa a diminuir. Depois de reconhecê-lo, você percebe que pode consertar isso. Você pode curar esse passado. Você pode trabalhar com as coisas de seu relacionamento atual. Você pode realmente curá-lo para sentir um amor real e duradouro e seus filhos crescerão com pais que estão presentes em suas vidas. E se você conseguir fazer isso enquanto o filho ainda está no ventre, ou quando ainda é criança pequena, é melhor ainda.

O que acontece se você não curar a ferida do pai?

A prática do distanciamento afetivo, a raiva sem causa justificável, a insegurança ou a dependência emocional,  afastam a pessoa amada de nós. Queremos garantias extras de amor, afeto, compreensão, dedicação… da pessoa amada – mas ela nunca nos dá o suficiente. Então a pessoa amada sentirá que não importa o quanto ela nos dê, nunca será o bastante. É porque toda a nossa vida está estruturada na insegurança, na terrível sensação de abandono. E é essa insegurança, inconsciente, vinda do passado que nos leva a quase todos os problemas em nossos relacionamentos na vida adulta. Quase todas as brigas passionais, o sexo não ótimo, os mal-entendidos… vêm de questões não curadas do passado. Assim que soubermos disso, podemos nos tornar um pouco mais compreensivos e culpar muito menos a nós mesmos ou aos parceiros e ter muito mais interesse na cura.

Como a ferida da ausência paterna se manifesta na vida adulta?

Na minha vida adulta, era difícil para mim ter relacionamentos engajados e conectados. Eu estava alternadamente pegajoso e com muito medo de perder o relacionamento. Eu ficaria muito exigente se não recebesse o amor que achava que precisava ou merecia. E então eu me afastava da pessoa ou fazia algo para que ela se afastasse de mim.

Quando percebi que estava casado pela terceira vez, tinha um bom relacionamento e não queria estragar tudo, comecei a olhar um pouco para o passado. Mas o que realmente colocou minha exploração e meu desejo de curar na minha consciência foi estar no estágio de desilusão – que eu havia reconhecido em meus dois primeiros casamentos, embora não o entendesse então. Disse a mim mesmo que tinha escolhido a pessoa errada. Achei que houvesse apenas dois estágios no amor e no casamento: o primeiro estágio é se apaixonar e o segundo é construir uma vida juntos e viver felizes para sempre.

Quando as brigas começaram a acontecer, os mal-entendidos, a mágoa e o estresse, inicialmente pensei que tinha escolhido a pessoa errada. No meu caso, divorciei-me duas vezes. Na terceira vez, porém, tive a ideia de que parte disso tem a ver comigo e com meu passado. Talvez se eu curasse o passado, pudesse curar meu relacionamento atual. E foi aí que realmente comecei a fazer terapia com foco na minha autocura:

“Talvez se eu curasse o passado, eu poderia curar meu relacionamento atual”

Busquei ajuda profissional e fiz um trabalho orientado e profundo sobre cura. Ao curar o passado, fui capaz de curar meu relacionamento atual e agora estamos casados ​​e felizes há quarenta anos. O início da minha cura aconteceu depois do meu segundo divórcio. Eu disse a mim mesmo: “Afinal, sou terapeuta, conselheiro matrimonial e familiar. Como posso fazer isso se já fui casado e divorciado duas vezes?”.  Algo estava errado e eu percebi que era melhor eu descobrir. Descobri que, se você compreender a ferida do pai ausente, poderá curá-la, e seus relacionamentos se tornarão infinitamente melhores do que a experiência da maioria das pessoas.

Como iniciar seu caminho de cura?

O começo simples é saber que existe uma solução. O primeiro reconhecimento é saber que alguém tem um roteiro. É a sensação de que há alguma esperança. A esperança é o primeiro passo. O segundo passo é o compromisso. E a coragem de reconhecer que, exatamente porque existe uma maneira de curar, precisamos nos comprometer com o processo de cura. A terceira etapa é o suporte. Vai ajudar ainda mais se você se conectar com alguém que já esteve lá antes, que já esteve no território e pode orientá-lo. E a quarta etapa: você tem que entender que isso é importante para você. Muitas pessoas desistem de relacionamentos. Quando você reconhece que não precisa desistir e que há uma maneira de superar isso, você precisa decidir se isso é importante para você. Porque é uma jornada.

Se você estivesse sentado aqui no meu escritório comigo, eu o levaria através de algumas das perguntas importantes, tais como: Como você sabe se as feridas de um pai distante ou ausente tiveram impacto em sua vida? E então, quais são as coisas que você mais teme na vida? Quais são as coisas com que você se preocupa à noite, quando não consegue dormir?

Por exemplo, algumas das coisas que me preocuparam foram: Receio que meu pai seja louco. Tenho medo de enlouquecer e acabar como meu pai. Tenho medo que aqueles mais próximos de mim me deixem ou morram. Tenho medo de ficar sozinho. Tenho medo de ser esquecido. Em meu livro, há perguntas guiadas pelas quais eu o conduzo, e cada pergunta leva você um pouco mais fundo. O que eu descobri é que ir a esses lugares profundos do inconsciente pode causar um pouco ansiedade. Então, você o aborda de forma gradual e suave. É bom fazer isso com outra pessoa, de preferência um especialista em saúde mental, ou com a pessoa amada, para que ela possa  lhe tranquilizar quando estiver ansioso ou com medo. Então você faz isso lentamente e quando estiver pronto.

Texto de autoria de Jed Diamond, PhD, LCSW, psicoterapeuta. Tradução e livre adaptação de Portal Raízes.  Jed Diamond publicou vários livros, dentre eles: Meu pai distanteA Síndrome do Homem Irritável12 regras para homens bons, e O Casamento Iluminado. Ele é o fundador e diretor do MenAlive , um programa de saúde dedicado à saúde e ao bem-estar masculino.






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