Preparar-se para o nosso mundo incerto é o oposto de renunciar ao ceticismo, a dúvida. É se esforçar para pensar bem, é se tornar capaz de desenvolver e praticar estratégias, é enfim fazer apostas com plena consciência. Esforçar-se para pensar bem é praticar um modo de pensar que busca constantemente contextualizar e globalizar as próprias informações e conhecimentos.

Todo o tipo de conhecimento é uma reconstrução do mundo exterior, com risco de erro, de ilusão. Para conhecer as coisas, além do saber passado de um para o outro, é preciso também recorrer à epistemologia, ao conhecimento biológico, às neurociências… Os grandes problemas são complexos e transdisciplinares e por isso as pessoas devem ser treinadas, desde criança, à possibilidade do erro; no enfrentamento das incertezas da vida; na certeza da finitude; na aceitação e convivência com as diferenças, sejam de gênero, políticas, religiosas, culturais. Mas para que isso se torne possível é necessária uma revolução pedagógica para equipar melhor as mentes.

Isso é ensinar a compreender o outro, e ensinar o que é o conhecimento: uma tradução do mundo exterior através da nossa mente, da nossa linguagem, das nossas ideias… Corremos sempre o risco de errar. Quando é na escola, não importa errar. Mas na carreira, na escolha do cônjuge, do presidente, errar é muito sério. Todos nós precisamos aceitar que existem as fontes de erros e ilusões. Não estou dizendo que essa é uma receita automática de evitá-los, mas é uma vigilância essencial.

Se eu fosse Ministro da Educação, explicaria por que uma revolução pedagógica é essencial. Eu promoveria a paixão pelo ensino em todos os lugares. Eu também faria um treinamento de professores para lidar com os grandes problemas dos quais falei. Tentaria restaurar plenamente a missão fundamental do professor: promover o desenvolvimento integral do que há de melhor no ser humano.

A missão do educador deve ser encarada como uma missão pessoal

Mas os professores estão sobrecarregados com a burocracia, com os pais que os repreendem por não darem boas notas, com os alunos que buscam fontes de conhecimento em outros lugares. Um professor deveria ser considerado uma das pessoas mais necessárias da Terra, um tipo de guia espiritual que mostra como organizar e priorizar informações e não apenas um distribuidor de conhecimento.

Um professor deveria receber excelentes condições de trabalho, bons salários e e incentivo financeiro para à formação continuada. Hoje, mais do que antes, o mundo dos professores e o dos alunos convivem, mas eles não se conhecem. Devemos pressionar para que eles se entendam.

A missão do educador deve ser encarada como uma missão pessoal. Missão pessoal que permite reconhecer a qualidade humana do aluno, mostra-lhe benevolência e atenção, e não rejeição na categoria de cretinos e fracos. Uma missão pessoal que, ensinando a compreensão, veicula a necessidade imediata de compreensão na sala de aula, ali manifesta a compreensão e deve receber a compreensão em troca.

A reforma do conhecimento e do pensamento depende da reforma da educação que depende da reforma do conhecimento e do pensamento social. A regeneração da educação depende da regeneração do entendimento, que depende da regeneração do amor empático, que depende da regeneração das relações humanas, que depende da reforma da educação. A educação deve contribuir para a autoformação da pessoa (aprender e assumir a condição humana, aprender a viver) e aprender a se tornar membro útil e participativo da sociedade.

Excertos de Edgar Morin, antropólogo, sociólogo e filósofo francês. Morin é autor de cerca de 70 livros, entre os quais os seis volumes de “O Método”, publicados entre 1977 a 2004. Contribuiu em diversas áreas, como educação, estudos de mídia, ecologia, ciência política, antropologia visual e estudo de sistemas biológicos complexos.






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