Há homens que morrem quando morre. Os que morrem aos poucos, nas lembranças dos amigos ou no que escreveram pela existência – porque palavras envelhecem. Mas há também os escolhidos pelos deuses. Eternos. São aqueles que permanecerão vivos, para sempre, na memória do seu povo e de sua língua. Como Pessoa. Que até pressentiu isso ao dizer um dia, no Desassossego, “Em minha alma ignóbel e prefunda registro, dia a dia, as impressões que formam a substância extrema da minha consciência de mim. Ponho-me em palavras vadias”. Da obra: Fernando Pessoa, o Livro das Citações – organizado por José Paulo Cavalcanti Filho – e a partir das citações escolhidas ‘inventamos’ uma espécie de monólogo: divagações de Fernando Pessoa com seus muitos ‘eus’. 

Ó madrugada, tarda tanto… vem…
Ah, as frescuras da manhã em que se chega, […]
A manhã do campo existe; a manhã do campo promete. Uma faz viver; a outra faz pensar.
[…] Só quero a liberdade!
Amor, glória, dinheiro são prisões.
[…] Quando falo demais começo a separar-me de mim e a ouvir-me.
Cada rosto, ainda que seja o de quem vimos ontem, é outro
hoje, pois que hoje não é ontem. Cada dia é o dia que é, e
nunca houve outro no mundo. […]

O meu mundo imaginário foi sempre o único mundo
verdadeiro para mim. Nunca tive amores tão reais, tão cheios
de verve, de sangue e de vida como os que tive com figuras
que eu próprio criei.
Trago dentro do meu coração,
todos os lugares onde estive.

Sou lúcido
Nada de estéticas com coração: sou lúcido. […]
Uma criatura de nervos modernos, de inteligência sem
cortinas, de sensibilidade acordada tem a obrigação cerebral
de mudar de opinião e de certeza várias vezes no mesmo dia.

O passado ou futuro é sempre agora.
O passado é o presente na lembrança.
O futuro é já presente
na visão de quem sabe ver.

É difícil  distinguir se o nosso passado é que é o futuro,
ou se o nosso futuro é que é o nosso passado.
Tantas vezes me sinto real como uma metáfora.
Há metáforas que são mais reais do que a gente que anda na rua.

Navio que partes para longe
Por que é que, ao contrário dos outros
não fico, depois de desapareceres, com saudades de ti?

Não é do navio, é de nós que sentimos saudade.
Contempla, da janela do meu castelo, não o luar e o mar, que
são coisas belas e por isso imperfeitas; mas a noite vasta e
materna, o esplendor indiviso…[…]

Do que poderia ter sido fica só o que é.
Toda obra tem que ser imperfeita.
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Todos os ocasos fundiram-se na minha alma.

Não sei que flores te dar
Para os dias da semana […]
Deixa-me dormir,
dormir e sorrir
E seja isto o fim.
(Do livro Fernando Pessoa, o livro das citações, Editora Record, 2013 – autor: José Paulo Cavalcanti Filho)






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