“Não é justo dizer que sou infeliz. A vida foi muito generosa comigo, me deu coisas maravilhosas, como, por exemplo, poder me dedicar a escrever, poder dedicar a minha vida àquilo de que eu gosto, que é o melhor que pode acontecer a uma pessoa. Tive muitas experiências maravilhosas. Não sou infeliz. O que acontece é que só uma pessoa tola poderia estar sempre feliz. É impossível ser feliz sempre, mas acredito, sem dúvida, que vivi mais momentos de felicidade do que momentos de dor e sofrimento. Creio que chego aos 80 anos em uma situação de vida maravilhosa, com vitalidade, aberto para o mundo, vivendo experiências riquíssimas que me rejuvenescem e que, acima de tudo, me transmitem uma grande força para realizar projetos como se não houvesse nenhum limite pela frente. É a melhor coisa que pode acontecer a uma pessoa[…].

Houve momentos de grande depressão que eu superei rapidamente e em grande parte graças à minha vocação, que sempre foi a minha maior defesa contra o desânimo, a depressão. Pouco tempo atrás, vi em Nova York uma bela exposição sobre Hemingway. É impressionante observar como existe, por um lado, a face pública desse personagem, um aventureiro, que fazia boxe, caçava, pescava, corria todo tipo de risco, dava a impressão de ser um homem que vivia a vida com toda a sua plenitude.

E, na verdade, você percebe que isso tudo era uma fachada, que por trás disso havia um homem perdido, que sofria depressões, desânimo, que buscava na bebida algum tipo de compensação que não conseguia encontrar, que a luta contra a impotência, contra a perda de memória, foi um drama em seus últimos 10 anos de vida e que, no final, acaba se matando, derrotado por todos esses demônios dos quais nunca conseguiu se libertar. A partir de um certo momento, a literatura já não tem mais serventia para ele, já não o defende, já não o redime. Espero que isso nunca aconteça comigo. Ao mesmo tempo, temos de aceitar a morte. Não faz sentido se rebelar contra o inexorável, mas é muito importante chegar vivo até o final, não morrer em vida, que é o espetáculo mais triste que um ser humano pode apresentar, perdendo as ilusões, transformando-se em um ser passivo. Há muitos casos assim, não só de escritores, e esse sempre me pareceu ser o espetáculo mais lastimável. Eu gostaria de chegar vivo até o final.

Lembro-me da madrugada em que me anunciaram que eu recebera o Prêmio Nobel de Literatura. Naquele momento, eu pensei: “Não vou deixar que esse prêmio me transforme em uma estátua, em uma espécie de boneco de papel-machê. Continuarei vivo até o fim, agindo e escrevendo com a mesma liberdade que escrevia antes de ganha-lo”. Há essa ideia, de que depois de receber o Prêmio Nobel você vira uma estátua e acaba morrendo em vida. Pois bem: isso não aconteceu e espero que nunca aconteça comigo. E espero que a morte chegue como uma espécie de acidente…É isso. Esta me parece ser a forma ideal de morrer, com uma vida que tenha sido intensa e maravilhosa até o fim[…].

Nunca tive a empolgação, o entusiasmo, as fantasias que tenho hoje em dia, em uma idade em que geralmente já não há tantos entusiasmos. Quem iria dizer que estaria vivendo uma grande paixão e organizando minha vida como se fosse viver eternamente!”. Mário Vargas Llosa

(Trecho extraído da entrevista “Mario Vargas Llosa: “Chego aos 80 em um estado maravilhoso”. – Publicado no El País em 23 de outubro de 2015)






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