“Muitos adultos depois dos 30/35 anos vão deixando de brincar, de namorar, vão deixando de se divertir, de se permitir uma vida empoderada, ou seja: ‘eu cuido de mim, eu cuido da minha mulher e depois eu cuido dos meus filhos’, que é o certo; que é como sempre foi. De um tempo pra cá, também atendendo a apelos de marketing de colocar a criança como o grande centro da ocupação da família, criou-se um totem narcísico, ou seja: a referência do pai e da mãe, é fazer o filho feliz.

Então, se o professor, por exemplo, vai colocar um limite, o pai chega dando carteirada na escola; se a filha se esforçou, mas tirou um 6, a mãe coloca no grupo de WhatsApp: ‘que absurdo, olha o que essa professora fez, que ridículo’… mas se a menina fez um macarrãozinho simples, ela diz: ‘olha a nova chef de cozinha! A minha filha logo estará na França!’.

Se você olhar agora o WhatsApp das suas amigas, não está mais os nomes delas, as fotinhas delas, mas a foto do filho ou da filha. Se você olhar agora no Facebook é um show de exibicionismo de filhos e filhas. Isso é uma neurose. Por que? Porque não se pode fazer o outro feliz. O que está acontecendo é que em nome de fazer o filho feliz estão criando pequenos imperadores que não aceitam limites, que não sabem esperar que não olham o outro, que não tem empatia, que não sabem aguardar a sua vez, que não lidam direito com relações, acham que são os alfas da casa e da escola.

Então o que está acontecendo? As crianças estão ficando chatas, birrentas, gastadeiras, mimadas, folgadas, agressivas… (…) E isso se mostra no restaurante, no cinema, no elevador, na rua… a gente vê criança irritadíssima, ingrata, instável, impulsiva, imediatista… Isso gera um [atrofiamento] cerebral muito sério. Isso não é brincadeira.

Os pais, ás vezes, perguntam: ‘Ah, mas não tem algum remédio pra tomar? Essa criançada parece que nasceu diferente’. Tem um remédio muito bom chamado ‘vergonha na cara’. Os pais e mães devem tomar uma gotinha de vergonha na cara todos os dias, por estarem humilhando os filhos dando tudo; facilitando tudo; dando acesso a tudo; dando carteirada nos professores…

No lugar de dar carteirada na escola, ou colocar no grupo do WhatsApp que a professora de ciência deu uma nota 5, pense se você parou para olhar se o seu filho está estudando; se olhou o caderno dele; se olhou se ele está dormindo direito; se conversou com ele sobre a importância daquela matéria; se você valorizou o fato de que aquela professora está dando suor, sangue e lágrima pra tornar seu filho inteligente; se você falou com o seu filho que o colocou numa escola exigente para ele ter um [bom] futuro.

Não. No lugar de criar um filho que seja uma águia, os pais criam uma gaiola dourada para o filho virar um periquito. Preso, refém do narcisismo dele, pai/mãe, que para não olhar a sua angústia existencial, sua falta de vida feliz, sua falta de uma vida melhor… Para não ter que se olhar; ir para a terapia; conversar com alguém; se conhecer; rever a sua vida; colocar brilho em sua vida… O pai/mãe carrega a vida o filho, com todas as tintas, dos vícios.

Vício em açúcar, games, tecnologia, em ser agradado, em ganhar presente. E isso gera uma des-graça [falta de graça]. A criança não tem gratidão, não vê graça nas coisas, porque quem tudo tem nada quer, e essa criança é mais infeliz. Chega na adolescência e começa a se cortar; a comer demais, vai escolher a profissão e fica deprimida, porque ela foi tão viciada em não ter dificuldades; a não se esforçar; não se empenhar; não se frustrar e diz pra si mesmo: ‘nem quero essa faculdade’, mas no fundo é medo.

Porque ele não está acostumado a esperar para conseguir; não está habituado a dar o máximo de si. Ele ficou fraco emocionalmente. Ele não tem, o que se chama hoje de Competência Sócio Emocional, ele não sabe lidar com as emoções. Isso, repito, gera um [atrofiamento] cerebral. A ciência já mostrou que o cérebro se desenvolve igual aos músculos. Então se uma criança não é exposta ao treinamento (Educação é treinamento) de espera, de resiliência, de empatia, de determinação, de foco, de respeito, de cidadania, de gratidão…ela fica com o cérebro prejudicado e isso é um sofrimento terrível”.

Excerto de uma fala do psicoterapeuta Léo Fraiman ao programa Vida Melhor, numa entrevista sobre a importância dos pais empoderados na educação dos filhos, que destacou a necessidade de equilíbrio entre afeto e firmeza. 






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